Investigação

Problemas mentais na adolescência têm explicações para além da escola

Problemas mentais na adolescência têm explicações para além da escola

Embora a adolescência nunca seja um período fácil, a investigação está a examinar se é mais difícil agora para a atual geração de adolescentes.

As lamentações nas manchetes dos meios de comunicação social acerca dos níveis elevados de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio entre os adolescentes da Europa fazem com que a sua leitura seja regular e desconfortável. Nos últimos anos, as notícias a este respeito parecem ter piorado. Em 2021, a UNICEF estimou que mais de 16 % dos europeus, entre os 10 e os 19 anos, vivem com uma doença mental. O número global é de 13,2 %.

Anos escolares

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A investigação financiada pela UE está a analisar o que preocupa os jovens exatamente e de que forma a sua saúde mental poderá ser afetada a longo prazo. As primeiras indicações são de que a elevada pressão na escola poderá ser um fator determinante.

"Não há saúde sem saúde mental - e a base da saúde mental é, em grande parte, estabelecida na adolescência", afirmou Alina Cosma, líder do projeto GenerationZ financiado pela UE, a decorrer durante dois anos até janeiro de 2024. O projeto analisa um estudo que demonstra variações substanciais no bem-estar mental nos diversos países. Realizado em conjunto com o gabinete europeu da Organização Mundial de Saúde, OMS/Europa, o estudo abrange adolescentes de 45 países e regiões da Europa e do Canadá.

Para compreender o que está por detrás dos resultados, Cosma está também a recorrer a projetos específicos de países que falam ativamente com os adolescentes, nomeadamente dos países nórdicos, Países Baixos e Reino Unido.

O seu trabalho mostra que um em cada quatro adolescentes afirmou sentir-se nervoso e irritável ou ter problemas em adormecer pelo menos uma vez por semana. As exigências de trabalho escolar aumentaram em cerca de um terço dos países e o número de jovens que dizem gostar da escola diminuiu.

Cuidar das pessoas nos seus anos escolares não só traz benefícios imediatos, como também representa um investimento a longo prazo na saúde pública. Isto porque mais de metade dos problemas de saúde mental em adultos teve origem antes dos 14 anos de idade.

Acompanhamento dos adolescentes

Os adolescentes oferecem uma janela de oportunidade para evitar que os problemas ocorram mais tarde.

A infância até aos cinco anos é um período de rápido desenvolvimento e, se algo correr mal, pode fazer com que a pessoa saia dos trilhos, segundo Cosma, psicóloga no Trinity College Dublin, na Irlanda.

A adolescência proporciona uma segunda oportunidade para intervir e reverter algumas das vulnerabilidades que possam ter-se desenvolvido anteriormente.

Cosma também quer identificar preditores de bem-estar mental, tais como boas relações com amigos e família, afirmando que uma boa saúde mental depende não só da ausência de problemas, como também da existência de fatores positivos.

As suas conclusões não constituem surpresa para uma equipa de investigadores da Universidade de Utrecht, nos Países Baixos.

Estes investigadores estão a registar as experiências dos jovens e dos seus amigos e famílias em momentos-chave de transição escolar. A equipa está familiarizada com histórias em primeira mão sobre o stress que a escola pode criar nos adolescentes.

Momentos fundamentais

Os investigadores fazem parte do projeto INTRANSITION, financiado pela UE, que analisa dois momentos fundamentais da trajetória adolescente.

O primeiro é quando os jovens transitam do ensino básico para o secundário, por volta dos 12 anos. O segundo é na adolescência, por volta dos 16 aos 18 anos, quando a transição ocorre para a fase seguinte da escolaridade - seja no ensino terciário, profissional ou superior.

O projeto com a duração de cinco anos, que termina no mês de agosto, analisou a forma como estas fases afetam a identidade dos adolescentes. A conclusão é que, para muitos, estes momentos marcam um ponto de viragem.

Decidir onde estudar, o que estudar e que carreira seguir envolve expectativas em torno dos resultados académicos e pressão para tomar escolhas que irão orientar o resto da vida adulta. Este pode ser um período avassalador, causando ansiedade e sentimentos de inadequação.

Ainda assim, muitos jovens que atravessam esta fase estão longe de estar angustiados.

"Há um grupo bastante considerável onde observamos o oposto", disse Susan Branje, que lidera o projeto INTRANSITION.

Fatores extracurriculares

Para os adolescentes que estão satisfeitos com as suas escolhas, a transição pode ajudar a gerar sentimentos de compromisso, motivação e conforto com identidade.

De acordo com Branje, este período apresenta uma oportunidade para orientar os adolescentes e ajudá-los a fazer as escolhas certas. Branje afirmou, ainda, que tal significa valorizar as relações construídas na escola e não deixar que o currículo se sobreponha.

Quando os pais, colegas, professores e pessoal escolar apoiam a autonomia dos adolescentes, criam um ambiente que promove a escolha, um sentimento de propriedade e motivação intrínseca, segundo Branje.

Os adolescentes aprendem melhor quando estão intrinsecamente motivados. Isto ajuda-os a fazer melhores escolhas, pois estão mais alinhados com os seus próprios interesses e capacidades.

Apoiar os jovens a desenvolver a autonomia e uma identidade clara é importante para encontrar um equilíbrio saudável entre "pressão de desempenho" e relaxamento - e pode ajudar a desviar quaisquer efeitos negativos na saúde mental.

Pandemia da covid-19

A pandemia da covid-19, que eclodiu em 2020, trouxe um conjunto sem precedentes de novos desafios para os adolescentes, que podem ter consequências terríveis para a saúde mental no futuro. Contudo, o projeto INTRANSITION descobriu um cenário muito mais diversificado.

O projeto concluiu que os jovens que tinham más amizades antes da pandemia eram mais vulneráveis a problemas de internalização. Do mesmo modo, aqueles que eram mais propensos a internalizar problemas antes da pandemia, eram também mais propensos a desenvolver dificuldades de amizade durante a mesma.

"Os jovens que já eram mais vulneráveis foram especialmente afetados pela pandemia", afirmou Branje.

Estas conclusões confirmam uma opinião da investigadora Cosma em Dublin: embora haja cada vez mais evidências de que a atual geração de adolescentes está a sofrer mais problemas de saúde mental do que as gerações anteriores, este está longe de ser um fenómeno generalizado.

Cosma, que se descreve como uma entusiasta do ar livre e do desporto, espera que a investigação da GenerationZ ajude a identificar os grupos "em risco" e mostre o valor de uma ajuda direcionada para os mais suscetíveis de enfrentar dificuldades.

Embora desde o surto pandémico a vida quotidiana tenha regressado em grande parte ao normal, para a maioria dos adolescentes, o ano passado caracterizou-se também por uma guerra devastadora na Ucrânia, por receios acrescidos sobre as alterações climáticas e por tensões económicas generalizadas.

"É um período muito formativo e o que acontece durante estes anos é tão importante", afirmou. "Se algo corre mal, terá consequências a longo prazo na idade adulta e nós não queremos isso".

*A investigação neste artigo foi financiada através do Conselho Europeu de Investigação da UE (ERC) e da MSCA (Marie Skłodowska-Curie Actions). Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.

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