As sapatilhas não nos permitem alcançar o Olimpo, mas quando nos propomos a desafios que nos tiram da nossa zona de conforto, é importante afinar as variáveis que controlamos. Sim, o calçado certo faz a diferença entre conseguir ou não terminar uma prova.
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As Hoka Speedgoat 6 acompanharam a estreia pessoal num ultra trail. E ainda bem.
Este será um texto de revisão seguramente diferente dos anteriores. Desde que coloquei o primeiro pé num trilho, em janeiro de 2018, que fiquei apaixonado por esta modalidade. E, como em qualquer relação amorosa, tivemos os nossos arrufos. Passámos por fases em que eu dei mais amor e não fui retribuído, fases em que a “outra parte” me tratou mal e deixou-me com lesões, felizmente mais físicas do que emocionais.
Foram mais do que muitos os momentos em que via as conquistas de vários atletas à minha volta em distâncias que eu considerava malucas. Correr 40 quilómetros no monte? Mas esta gente não tem amor ao corpo? Pois, o amor cresceu e na mesma proporção cresceu a distância. Não quis dar um salto maior do que a perna. Resisti muitas vezes à tentação de me inscrever numa prova longa. Por medo, por não me sentir preparado a nível físico e, sobretudo, mental.
Não sei se a ternura dos 40 foi o impulso para me inscrever num ultra trail (mais de 42 quilómetros), mas no final de 2024 senti que a cabeça estava no lugar e inscrevi-me nos 60 quilómetros do Ultra Trail de Conímbriga Terras de Sicó, uma organização O Mundo da Corrida. Reuni testemunhos de alguns que considero anciões do ultra e do endurance para perceber se a escolha era a mais apropriada. Disseram-me que a prova era relativamente corrível e uma ótima estreia na distância ultra.
Controlar as variáveis
Uma coisa é certa: sabia que ia passar longas horas no trilho, que o humor ia variar entre o poço e a euforia. Isso eu não ia conseguir controlar. Os sentimentos, lidaria com eles no momento e tentaria que não me pusessem a correr desenfreadamente nem a parar por completo. Aquela expressão que nos cansamos de ouvir, mas raramente aplicamos, “gerir esforço”.
Só podia controlar o equipamento. Tenho uns pés abençoados, até à data nunca sofri com bolhas nem fricção. Apenas um ou outro episódio de tensão no peito do pé motivado pela força dos atacadores, nada de significativo.
Sabia que queria avançar para este projeto com as Hoka Speedgoat, que já vão na sexta versão. Conheço bem o modelo desde a terceira versão. As sapatilhas mais duradouras que por estes pés passaram foram as Speedgoat 4, que cumpriram a sua missão com aproximadamente 900 quilómetros de trilhos. É mesmo muito, daí o nível de exigência com o modelo ser alto.
Nesta sexta versão, há que admitir que a Hoka ousou no que respeita ao padrão de cores. Não passam despercebidas. Sola roxa, entressola verde e logo amarelo. Sim, faz lembrar o Joker do Batman. Fiquei fã.
Primeiras impressões
Não há uma mudança radical à primeira vista. A proteção de borracha na biqueira está maior, e isso é sempre bom porque a malha envolvente da sapatilha não é à prova de pedras. A língua tem um acolchoamento maior e isso foi fundamental para o conforto. Não imaginaria quanto até ter terminado a prova.
Depois de ler sobre a sapatilha percebi duas coisas que efetivamente são mudanças claras. Em primeiro lugar, as sapatilhas estão mais leves.m: 278 gramas, contra 291 na versão anterior. Em segundo lugar, o drop é de cinco milímetros. Julgo ser a primeira vez que a Hoka aumenta o drop num modelo tão aclamado por atletas. É só um milímetro, será que faz diferença?
Primeiros treinos
Regra de ouro para a prova. Ir com sapatilhas tão bem treinadas quanto as pernas. O objetivo era fazer cerca de 100 quilómetros com elas pelos diferentes pisos, para estarem acamadas no dia da prova.
Não senti diferença significativa relativamente às Speedgoat 5. A sola Vibram Megagrip continua a ser um ex-líbris da sapatilha, capaz de garantir aderência em praticamente todo o tipo de piso.
Sapatilhas vs prova
Eram 8h30 e estávamos alinhados na partida em Santiago da Guarda. Chovia copiosamente e já antes de partir os impermeáveis estavam encharcados. Percebi que tinha as condições ideais para o teste final quando o diretor de prova disse que as condições do trilho estavam péssimas. Pensei, afinal é mesmo uma prova de trail.
O curioso é que não foi um combate com as sapatilhas. Não podia ser. As Speegoat foram perfeitas. Houve lama, muita, suficiente para fazer exposição de peças de olaria. Em nove horas e meia de prova o tempo mudou várias vezes e isso fez com que o terreno variasse entre o lamaçal profundo, a terra seca, pedra em brita, calcário branco conhecido por destruir completamente o calçado e muita pedrinha molhada. Vi atletas a cair, várias vezes. Sabia que não era à prova de queda, mas entre o cuidado nas descidas e a sola vibram, senti-me confiante o suficiente para enfrentar os desafios do trilho ao longo dos 60 quilómetros. Não caí nenhuma vez e só por aí já é digno de medalha.
A destacar, a rigidez da entressola das Speegoat 6 parece ser maior, porque houve muito percurso em pedra e isso rebenta com a zona solear e plantar do pé. Não foi o caso, e ainda bem. A língua acolchoada da sapatilha garantiu-me o peito do pé sem marca de tensão dos atacadores. Vi dois atletas num abastecimento a trocarem de sapatilhas por terem a língua fina ou os atacadores muito tensos e isso deixou marcas. Numa nota menos feliz, as Speegoat parecem ser um bocadinho mais quentes e não drenar tão bem quando ficamos com os pés submersos, mas para isso existem versões mais capazes (com Gore-Tex).
Um final feliz
Sou ultra, sou feliz, e sinto que ter uma boa preparação e estar em cima das variáveis que controlava fez a diferença. As Speegoat para mim são como os ultra, são de longa duração e, no final, ficamos com um sorriso na cara.
Nota: O produto foi cedido pela marca
Preço: 165€