82 elementos dos Hells Angels condenados a penas entre 12 e 15 anos e meio de prisão
O Tribunal Criminal de Loures condenou, esta quinta-feira, a penas entre os 12 e os 15 anos e meio de prisão 82 elementos dos Hells Angels por atos praticados, em 2018, no âmbito de uma guerra de grupos de motards pelo domínio e controlo do submundo do crime.
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Dos restantes seis arguidos, quatro foram punidos com penas suspensas inferiores a dois anos e meio, um foi absolvido e um morreu entretanto.
A maioria dos crimes foi praticada em março de 2018, quando 29 elementos dos Hells Angels invadiram um restaurante no Prior Velho, concelho de Loures, onde Mário Machado, então líder do movimento de extrema-direita Nova Ordem Social, estaria a criar um grupo satélite em Portugal dos Bandidos MC, rivais a nível mundial dos "anjos do inferno".
Esta quinta-feira, o tribunal sustentou, porém, que a generalidade dos arguidos sabia do ataque e, por isso, considerou quase todos culpados desses factos.
"Tratou-se de uma atuação dos Hells Angels enquanto clube, que envolveu todos os seus membros e que envolveu planeamento", salientou, na leitura do acórdão, a presidente do coletivo de juízes, Sara Pina Cabral, acrescentando que "a ação durou dois minutos e, durante dois minutos, foram causados os maiores estragos possíveis".
"Armados até aos dentes"
"Se não causaram mais estragos é porque não tinham espaço, porque eram tantos que não se conseguiam mexer", afirmou a magistrada, desvalorizando a tese da defesa de que o objetivo da ida ao restaurante era apenas "encetar conversações": "Ninguém vai encetar conversações armado até aos dentes e encapuzado."
Durante o ataque, Mário Machado escondeu-se dos agressores e acabou por não ser atingido, mas algumas das pessoas com quem estaria reunido foram agredidas.
"[Os arguidos] foram ferindo os ofendidos de forma brutal, só não morreram porque foram assistidos. E foram atingidos onde calhou. [...] A faca espetou onde espetou e ninguém ficou a ver as consequências", afirmou, esta quinta-feira, Sara Pina Cabral. Uma parte significativa dos elementos dos Hells Angels foi, assim, condenada por tentativa de homicídio. A maioria foi igualmente considerada culpada, entre outros crimes, de associação criminosa.
Não é "associação de motociclistas"
Este último ilícito não é, por norma, facilmente demonstrável em julgamento, sobretudo por, muitas vezes, não ser possível identificar uma estrutura criada propositadamente para a prática dos crimes. Mas, para o tribunal, neste caso "não existiu esse obstáculo".
"Os Hells Angels têm uma estrutura definida, estão organizados em 'chapters' [células], que pretendem ter domínio territorial do espaço. Há uma imposição coativa de regras que eles próprios criam e é aqui que entramos na atividade criminosa da dita associação de motociclistas [...] Trata-se de uma associação criminosa pela utilização de violência para impor essas regras", sustentou, na leitura do acórdão, a juíza-presidente.
"Que associação lícita se autodefine como fora da lei e que associação lícita tem um fundo para apoiar famílias de membros que se encontrem presos [por atos] em nome do clube? [...] Que associação lícita tem condecorações criadas para premiar atos de violência contra a autoridade exercidos em nome do clube?", questionou Sara Pina Cabral.
Mário Machado indemnizado
Além das penas de prisão, alguns dos arguidos foram ainda condenados a indemnizar num total de quase 165 mil euros os ofendidos. Dez mil serão para Mário Machado.
Para o coletivo de juízes, não há dúvidas de que o então líder da Nova Ordem Social era "o alvo principal" dos Hells Angels e que "só não foi morto porque não calhou", frisando que não terá causado "estranheza" aos elementos dos Bandidos MC o interesse de Mário Machado em associar-se ao grupo, apesar de não ser motard.
"[É conhecida] a ligação dos Bandidos MC a grupos de extrema-direita e, como é do conhecimento geral, Mário Machado encabeçou ao longo dos anos vários movimentos dessa linha doutrinária", apontou Sara Pina Cabral.
"Mensagem clara dos tribunais"
À saída da sala de audiências - instalada num espaço multiusos em Camarate, Loures, por razões de segurança e de falta de espaço no Tribunal de Loures -, o advogado de Mário Machado congratulou-se com o acórdão proferido esta quinta-feira.
"Isto é uma mensagem clara dos tribunais este tipo de grupos motards têm de funcionar dentro da linha. Se não funcionarem, são considerados associações criminosas, como foi o caso, e os seus membros poderão ter consequências realmente graves", afirmou José Manuel Castro.
Já o mandatário de alguns dos arguidos, Aníbal Pinto, criticou a referência por parte da juíza-presidente a artigos publicados fora de Portugal e a uma série sobre os Hells Angels em exibição no serviço de streaming Netflix.
"Fiquei com a convicção de que há decisões baseadas em factos passados no estrangeiro, mas esses não podem ser imputados a quem não praticou os factos passados no estrangeiro", afirmou, antecipando já a interposição de recursos do acórdão do Tribunal Criminal de Loures para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Na leitura da decisão, estiveram presente apenas 19 dos 87 arguidos, que vão continuar a aguardar o desenrolar do processo em liberdade, sujeitos a termo de identidade e residência. O julgamento começou em setembro de 2021.
