“A consolidação do PCC em território nacional representa uma ameaça direta à soberania e à segurança do Estado”
O brasileiro Roberto Uchôa é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e especialista em criminalidade organizada. Atualmente a frequentar um doutoramento na Universidade de Coimbra, alerta para os grandes perigos do crescimento Primeiro Comando da Capital (PCC) em Portugal.
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Os recentes dados sobre o PCC provam que esta máfia está a implementar a sua atividade criminosa noutros países?
Sim, existem evidências substanciais que demonstram a expansão e a implementação de atividades criminosas do PCC para além das fronteiras do Brasil. Originalmente uma fação prisional de São Paulo, o PCC transformou-se numa sofisticada organização de crime transnacional. A sua presença está solidamente documentada em quase todos os países da América do Sul, principalmente na Bolívia, Paraguai, Venezuela e Colômbia, que são cruciais para a produção e o trânsito de cocaína. Nos últimos anos, a sua atividade expandiu-se para a Europa, com relatórios a indicarem a presença e operações de membros do PCC em países como Portugal, Espanha, França e Países Baixos.
Qual é o objetivo desta estratégia de internacionalização?
É o controlo e a expansão das suas operações no lucrativo mercado transatlântico de cocaína. Ao estabelecer uma presença direta na Europa, o PCC visa maximizar os lucros, eliminando intermediários, o que permite à organização controlar uma porção maior da cadeia de valor da droga, desde a produção na América do Sul até à distribuição na Europa. Outro objetivo é o controlo logístico através da gestão direta das rotas de tráfico, dos portos de entrada e o contacto com as redes de distribuição no continente europeu. A “lavagem” de ativos também é importante para o PCC, que utiliza as economias europeias para “lavar” os lucros ilícitos gerados pelo tráfico de droga e outras atividades criminosas cada vez mais comum, como crimes digitais. Por último, o PCC estabelece alianças estratégicas com outras organizações criminosas locais, como a máfia calabresa 'Ndrangheta, para facilitar a distribuição de droga e expandir a sua influência.
“Torres” infiltradas
Como é que o PCC coloca os seus elementos no estrangeiro?
O PCC adota uma estratégia multifacetada para se estabelecer e expandir a sua influência em países estrangeiros. É uma estratégia caracterizada pela discrição e pela adaptação ao ambiente local, que inclui o envio de emissários e estabelecimento de células. A organização envia membros de confiança, conhecidos como "torres", para países estratégicos e estes operam de forma discreta, muitas vezes sob a fachada de imigrantes comuns, com a missão de estabelecer células operacionais, avaliar a logística local (especialmente em portos e aeroportos) e construir redes de contactos.
E como é que faz crescer a sua influência?
O PCC recruta novos membros entre as diáspora brasileira no estrangeiro, assim como [cidadãos] nacionais, incluindo indivíduos já detidos em prisões europeias, replicando o seu modelo de expansão original, que é de dentro para fora. Ou seja, primeiro estabelece uma forte presença no sistema prisional para depois expandir esse controlo para as ruas. Também cimenta alianças com o crime organizado local e, em vez de confronto direto, o PCC procura frequentemente estabelecer alianças com grupos criminosos europeus estabelecidos. A colaboração com a 'Ndrangheta, por exemplo, é fundamental para a distribuição de parte da cocaína que o PCC consegue introduzir na Europa.
Como é que o PCC “lava” o dinheiro na Europa?
A fação utiliza empresas de fachada e sistemas complexos de “lavagem” de dinheiro para movimentar e ocultar os lucros, investindo em setores como o imobiliário para solidificar a sua presença económica. Tem igualmente investido, cada vez mais, no mercado de criptomoedas, para poder movimentar os lucros das atividades criminosas sem serem rastreados. Tem sido também constante a utilização de bancos digitais para movimentações financeiras com contas em nomes de pessoas que servem como “laranjas”.
“Portugal assume uma importância estratégica”
Qual a importância de Portugal para o PCC?
Portugal assume uma importância estratégica significativa para os planos de expansão do PCC na Europa. Esta relevância deriva da sua posição geográfica privilegiada, pois é um dos principais pontos de entrada na Europa a partir do Atlântico e os portos portugueses, como Sines, Leixões e Lisboa, são rotas logísticas atrativas para o tráfico de cocaína proveniente da América do Sul. Por outro lado, a língua e as fortes ligações culturais e de mobilidade com o Brasil facilitam a infiltração e a operação de membros do PCC em Portugal, permitindo-lhes passar mais despercebidos do que noutros países europeus. Além de ser um mercado de consumo, Portugal funciona como uma plataforma giratória para a distribuição de droga para o resto da Europa, nomeadamente para Espanha e outros mercados centrais. Relatórios da Polícia Judiciária e da Europol confirmam que o PCC está a utilizar Portugal como uma das suas principais portas de entrada de cocaína na Europa.
O número de elementos do PCC em Portugal está a crescer?
Embora seja extremamente difícil quantificar o número exato de membros da organização no país, um relatório recente elaborado por autoridades brasileiras aponta que o país tem o maior número de integrantes do PCC em comparação a outros países europeus, com 29 elementos em presídios e 58 em liberdade. Números que colocam o país em quinto lugar entre os vinte e oito onde há integrantes da fação.
Como é que o PCC atua em Portugal?
A sua presença não se manifesta pela violência ostensiva vista no Brasil, mas sim através de operações discretas de logística, tráfico e “lavagem” de dinheiro, o que torna a sua deteção mais complexa.
Cooperação internacional é fundamental
Quais são os perigos para Portugal se o PCC continuar a crescer no país?
O crescimento e a consolidação da esfera de influência do PCC em Portugal representam perigos significativos e multifacetados para o Estado e para a comunidade. A consolidação de uma fação tão poderosa pode levar a um aumento do tráfico de droga, da “lavagem” de dinheiro e, potencialmente, de crimes violentos associados, como ajustes de contas e extorsões. As organizações com o poder financeiro do PCC procuram ativamente corromper funcionários públicos em setores chave, como autoridades portuárias, forças de segurança e o sistema judicial, para garantir a continuidade e a segurança das suas operações. Há ainda o perigo de infiltração na economia legal, pois a necessidade de “lavar” grandes volumes de dinheiro ilícito pode levar à contaminação de setores da economia legal, distorcendo a concorrência e minando a integridade do sistema financeiro. A consolidação de uma organização criminosa transnacional em território nacional representa uma ameaça direta à soberania e à segurança do Estado, podendo criar "zonas cinzentas" de poder paralelo.
Como se trava o crescimento do PCC no estrangeiro, nomeadamente em Portugal?
Travar a expansão de uma organização como o PCC exige uma resposta robusta, coordenada e multidimensional, tanto a nível nacional como internacional. As estratégias eficazes incluem o reforço da colaboração entre a Polícia Judiciária, as polícias de outros países europeus (através da Europol e da Interpol) e, crucialmente, as autoridades brasileiras. A partilha de informações e a realização de operações conjuntas são essenciais para desmantelar as redes transatlânticas. Algo que tem sido buscado, inclusive, com a assinatura recente de acordos de cooperação. Mas o foco não deve ser apenas na apreensão de droga, mas também no seguimento e desmantelamento dos fluxos financeiros da organização. O reforço da capacidade da Unidade de Informação Financeira (UIF) e a colaboração com o setor bancário são cruciais para identificar e bloquear operações de “lavagem” de dinheiro. Assim como punir as instituições financeiras que preferem se beneficiar dessas atividades ilícitas.
É importante controlar as fronteiras?
A implementação de tecnologias avançadas de fiscalização e o reforço da análise de risco nos portos e aeroportos são vitais para intercetar os carregamentos de droga. E é necessário garantir que o sistema judicial dispõe das ferramentas e da legislação adequadas para processar e condenar eficazmente indivíduos envolvidos em crime organizado transnacional, incluindo mecanismos de cooperação judiciária internacional ágeis. Em suma, a resposta ao desafio colocado pelo PCC em Portugal deve ser proactiva e integrada, combinando a repressão qualificada com a cooperação internacional e a prevenção, por forma a proteger a segurança e a integridade do país.