Namorado que passeava rottweiller e seguradora terão de pagar 127 mil euros às três pessoas atacadas.
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A proprietária de "Black", um cão da raça "rottweiller" que feriu gravemente uma criança e dois adultos, em 2017, foi absolvida do pagamento solidário de qualquer indemnização. Já o namorado, Márcio Lourenço, hoje com 30 anos, que passeava o animal, foi condenado pelo Tribunal de Matosinhos a 480 horas de trabalho comunitário e ao pagamento, solidariamente com a seguradora, de 127 mil euros às vítimas. Em primeira instância, a dona do cão também tinha sido condenada por não ter esterilizado o animal. Porém, a 8 de fevereiro foi absolvida de tudo pelo Tribunal da Relação do Porto.
O caso ocorreu na manhã de 25 de abril de 2017. A menina e a família foram a um velório no Padrão da Légua, Matosinhos. No exterior, o cão, com cerca de 80 quilos, sem trela nem açaime, tentou morder a criança. O pai pediu ao jovem com o cão para o prender. Ele respondeu de modo agressivo. Ao ver que o pai tentava fotografá-lo, quis tirar-lhe o telemóvel. O animal viu a agitação e atacou a menina, mordendo-lhe violentamente a cabeça e arrastando-a pelo chão.
O jovem começou a bater no cão e agarrou-o, mas soltou-o quando tentou novamente agarrar o telemóvel. O rottweiler voltou a atacar a menor. Os pais foram em seu socorro e também foram feridos com gravidade. Só passados alguns momentos de terror é que conseguiram afastar o cão.
A menina de quatro anos foi hospitalizada e sujeita a várias cirurgias. Esteve internada mais de três meses. Ficou com grandes cicatrizes, surdez moderada num ouvido e várias limitações. Ainda hoje necessita de acompanhamento psicológico.
"Absoluto descuido"
Em maio do ano passado, o Tribunal de Matosinhos considerou que o jovem agiu com "absoluto descuido e incúria", ao passear um cão de raça potencialmente perigosa sem trela, nem açaime. Foi condenado por três crimes de ofensa à integridade física por negligência, dois deles agravados. Além de 480 horas de trabalho a favor da comunidade teria de pagar, com a namorada e a seguradora, 127 mil euros às vítimas.
A dona do cão e a seguradora recorreram. A arguida alegou que não fora chamada ao processo pelos demandantes e que não podia ser responsabilizada. A seguradora frisava que o cão não se encontrava esterilizado, o que contribuíra de forma decisiva para o ataque e a isentava de responsabilidade.
A Relação do Porto deu parcialmente razão à arguida. É certo que era responsabilizável, pois o cão era seu. Porém, frisaram os juízes, a esterilização prevista na cláusula de exclusão visa impedir a reprodução e a propagação de doenças, não reduzir a agressividade do cão, que poderia ou não acontecer. Portanto, o seguro era acionável.
A dona do cão foi absolvida da condenação solidária e o recurso da seguradora foi rejeitado. Porém, esta ainda poderá exigir o direito de regresso pelo facto do cão estar a ser passeado sem trela, nem açaime.
O cão ficou agressivo e não consegui segurá-lo
Antes do julgamento, Márcio Lourenço explicou que "Black" tinha roído o açaime quatro dias antes do ataque e ainda não comprara outro. "Facilitei", lamentou. Conta que pediu ao pai da menina para apagar as fotografias e ele começou aos gritos. Envolveram-se e a menina gritou. "O cão ficou agressivo e não consegui segurá-lo", relata, garantindo que foi ele que abriu as mandíbulas ao cão e até se feriu nas mãos. Disse que não ficou no local após o ataque porque "o importante era tirar de lá o cão, para que pudessem prestar socorro à menina". À porta do tribunal fez questão de ir ter com o pai da vítima para saber do seu estado de saúde e pedir desculpa.
Direito de regresso - A companhia de seguros deverá exigir o direito de regresso a Márcio Lourenço, pois estava a passear o cão sem trela e sem açaime.
Cão foi para a PSP - Depois do ataque, "Black" foi entregue voluntariamente ao Canil de Matosinhos. Após quarentena, o veterinário municipal optou por entregar o animal ao Grupo Operacional Cinotécnico da PSP do Porto para integração nas suas equipas de intervenção.
127 mil euros terão de pagar à menina e aos pais Márcio e a seguradora. O seguro apenas cobre danos até 50 mil euros e exige uma franquia de 10%, o que implica que o arguido terá de assumir, pelo menos, 82 mil euros.