Justiça reconhece direitos a trabalhador agrícola que não tinha contrato escrito, mas trabalhava há oito anos, no Alentejo, para a mesma empresa de trabalho temporário. Sentença pode influenciar outros processos pendentes.
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O Tribunal da Relação de Évora (TRE) condenou recentemente uma empresa de trabalho temporário e os seus gestores, todos romenos, a pagar mais de 16 mil euros a um trabalhador agrícola, da mesma nacionalidade, por reconhecer que este, "apesar de não ter contrato de trabalho escrito, prestava a sua atividade de forma subordinada aos réus". O que justificava, entre outros direitos, o pagamento de subsídios de férias e de Natal. O acórdão, que confirma uma decisão do Juízo do Trabalho de Beja (JTB), pode influenciar o desfecho de outros processos, a começar por aqueles que envolvem mais seis trabalhadores da mesma empresa.
É uma decisão que pode ser histórica, para as relações laborais, no setor agrícola. Estava em causa um dos sete processos entrados no Juízo do Trabalho de Beja, em 2019, que foram então considerados "inéditos" e a que se chamou, localmente, "a revolta dos inocentes". Na altura, foi o próprio Ministério Público do JTB a patrocinar as ações movidas pelos trabalhadores - e não advogados contratados por estes.
Agora, a Secção Social do TRE ratificou, por unanimidade, a primeira decisão de Beja naqueles processos. "Reconheceu que o autor da ação exerceu para os réus a atividade profissional de trabalhador agrícola" e tem direito aos créditos reclamados, "mesmo que o contrato de trabalho não tenha sido reduzido a escrito".
Empresários detidos
Entre novembro de 2010 e dezembro de 2018, Dimitru Nichitean trabalhou para a empresa de trabalho temporário Verde Prioritário, Lda., detida pelos réus Florin Adamescu, Constantin e Rafira Rusu. Mas acabou por ser despedido, no mesmo dia em que os patrões foram detidos num processo crime (ler texto na página seguinte), sem nunca ter recebido os 12 174 euros a que teria direito, a título de férias não gozadas e de subsídios de férias e de Natal, referentes a oito anos.
Dimitru iniciou funções em novembro de 2010, trabalhando sob as ordens, direção e fiscalização dos réus, nos terrenos agrícolas dos clientes destes, sitos nos concelhos de Ferreira do Alentejo e de Beja. Sem informar o trabalhador, os réus comunicaram à Segurança Social a sua contratação, bem como as remunerações que lhe eram pagas. Dimitru trabalhou ininterruptamente para Florin, Constantin e Rafira até 21 de dezembro de 2018, dia em que aqueles foram presos e a mulher do primeiro informou Dimitru de que já não trabalhava para eles.
Inconformado, o trabalhador recorreu para o JTB, reclamando os 12 174 euros, mais 4074 euros a título de indemnização (em vez da reintegração). O JTB deu-lhe razão, condenando os réus a pagarem-lhe 16 248,15 euros, mais juros.
Os réus recorreram, sem sucesso. "Não encontramos fundamento para divergir da resposta dada pelo tribunal recorrido", decidiram os desembargadores do TRE, observando, sobre as férias e subsídios, que "os empregadores devem fazer prova do pagamento", enquanto ao trabalhador "basta alegar que trabalhou e que não lhe foi paga a remuneração respetiva".
Pelo valor da ação, a decisão do TRE não é passível de recurso, pelo que, após o trânsito em julgado, os réus têm de pagar os mais de 16 mil euros a Dimitru.
Um magistrado, ouvido pelo JN, comentou que esta decisão "pode servir de exemplo para muitos trabalhadores estrangeiros, que, na maioria dos casos, não recorrem às instâncias judiciais".
Mais seis processos
Para já, aguarda-se o desfecho de mais mais seis processos de colegas e compatriotas de Dimitru, que trabalhavam para os mesmos réus, na apanha de azeitona e noutros trabalhos agrícolas sazonais no Alentejo. Esses trabalhadores invocaram o mesmo tipo de razões que Dimitru e reclamam um total de 83 617 euros.
Os três indivíduos que geriam a empresa de trabalho temporário Verde Prioritário, Lda. faziam parte de um grupo de sete pessoas que foram detidas em dezembro de 2018, no âmbito da Operação Masline (azeitona na língua romena), levada a cabo pelo Serviço de Estrangeiros Fronteiras, tendo sido condenados por um Coletivo de Juízes do Tribunal de Beja.