O homem acusado de, em 2022, ter ameaçado de morte Marcelo Rebelo de Sousa confessou esta quinta-feira que foi o autor da carta com uma bala remetida então ao presidente da República, mas ressalvou que só o fez para fazer sofrer um primo seu e que "nunca" pretendeu "prejudicar" o chefe de Estado.
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Na missiva, Marco Aragão, de 41 anos, ameaçou matar Marcelo Rebelo de Sousa caso não entregasse um milhão de euros, a ser transferidos para a conta bancária, cujo IBAN indicou, de um primo seu. Na altura, estaria, na sequência de uma tentativa de suicídio, com uma nova medicação para as doenças psiquiátricas de que sofre.
"Tudo isto deveu-se a uma animosidade contra o meu primo Valter, espoletada por um desequilíbrio da minha medicação", afirmou, em tribunal, o arguido. Na altura, queria, na sequência de desavenças anteriores e de um telefonema com a mãe, que aquele familiar tivesse "problemas com a Justiça".
"Qualquer pessoa que tenha um processo na Justiça e seja inocente, creio que fica assustada", justificou. O primo chegou a ser investigado e alvo de buscas domiciliárias pela PJ e exige agora ser indemnizado em cinco mil euros por Marco Aragão.
Esta quinta-feira, o arguido - que se escusou a esclarecer em tribunal como sabia qual era o IBAN daquele familiar - reconheceu que, "neste momento", consegue "perceber que ele se tenha sentido prejudicado". No entanto, considerou "excessivo" o valor peticionado.
Marco Aragão responde, no total, por tentativa de coação agravada, tentativa de extorsão agravada, detenção de arma proibida, acesso indevido e desvio de dados. Na acusação, proferida em agosto de 2023, o Ministério Público considerou que, por padecer de "anomalia psíquica grave", o arguido é "inimputável" e, por isso, deve ser sujeito a internamento num estabelecimento psiquiátrico.
O suspeito, jurista de profissão, foi detido janeiro de 2023 pela PJ e desde então encontra-se a aguardar o desenrolar do processo internado preventivamente no hospital-prisão de Caxias, no concelho de Oeiras. Esta quinta-feira, disse estar disposto a seguir a medicação que entretanto lhe foi prescrita e assegurou ter capacidade para regressar à sociedade.
Envio de bala foi inédito
O processo não é o primeiro em que Marco Aragão responde por ameaças, tendo já sido anteriormente condenado por ter enviado engenhos explosivos improvisados a três cidadãos da Associação SOS Voz Amiga e por tentado extorquir inspetores da PJ e elementos do Serviço de Informações de Segurança (SIS). Uma das vítimas deste último ato foi o atual diretor nacional da PJ, Luís Neves, que contactara também com o arguido durante a investigação ao primeiro caso, no âmbito das funções que então exercia na instituição.
"Quando a pessoa está medicada, é um cidadão normal, quer com a mulher quer com os filhos. Presenciei isso. O que é certo é que quando há desvios à medicação, acontecem estes episódios", testemunhou, esta quinta-feira, o dirigente, fundamentando-se na sua experiência e em relatórios do Instituto Nacional de Medicina Legal.
Luís Neves acrescentou que, à exceção desta situação, "nunca aconteceu uma ameaça a um presidente da República [...] com esta simbologia e com o envio de munições". "Há aqui um elevado grau de perigosidade", salientou.
O caráter inédito da missiva remetida, em outubro de 2022, a Marcelo Rebelo de Sousa foi igualmente destacada, esta quinta-feira, por uma funcionária da Presidência da República. "Em 44 anos a abrir cartas, esta foi a primeira vez que apareceu uma bala", afirmou.
O julgamento prossegue durante a tarde de hoje e a 2 de novembro de 2023, com a audição de mais testemunhas, incluindo de defesa.