Adiado julgamento de ex-ministro por suspeitas de ter sido corrompido por Salgado
O início do julgamento do processo em que o ex-banqueiro Ricardo Salgado está acusado de ter corrompido o antigo ministro Manuel Pinho enquanto esteve no Governo foi, esta terça-feira, adiado para sexta-feira, devido à greve dos funcionários judiciais agendada para hoje no concelho de Lisboa.
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O reagendamento era já expectável, mas tal não impediu o antigo titular da pasta de Economia entre 2005 e 2009, em prisão domiciliária há um ano e nove meses numa quinta no concelho de Braga, de se deslocar ao Campus de Justiça de Lisboa.
"Eu virei aqui as vezes que forem necessárias, porque é do meu interesse esclarecer uma mentira", afirmou, à saída do tribunal, Manuel Pinho, que pretende prestar declarações no julgamento. "Venho negar de A a Z [toda a acusação], porque se trata de uma acusação falsa e sem nexo e eu venho aqui provar isso", acrescentou.
Manuel Pinho, de 68 anos, está acusado de ter recebido, através de offshores, cerca de cinco milhões de euros de Ricardo Salgado para beneficiar o Banco Espírito Santo (BES)/Grupo Espírito Santo (GES) em diversos projetos urbanísticos, incluido de potencial interesse nacional, como as herdades da Comporta (Alcácer do Sal) e do Pinheirinho (Grândola).
Ex-banqueiro ausente
Na fase de instrução, na qual os arguidos tentaram sem sucesso evitar a ida a julgamento, o antigo ministro tinha admitido a prática de crimes de fraude fiscal, ressalvando que a situação tinha sido entretanto regularizada e que os montantes recebidos da esfera do GES eram "prémios" por ter sido quadro do BES e não "luvas" pagas por Ricardo Salgado.
Esta terça-feira, garantiu, contudo, que nem esses crimes de fraude fiscal foram praticados. O ex-banqueiro e a Alexandra Pinho, de 63 anos e suspeita de ter ajudado o marido a branquear as quantias em causa, têm negado igualmente a prática de qualquer crime.
Em causa estão ilícitos de fraude fiscal, corrupção e branqueamento. O processo nasceu e foi entretanto separado do inquérito-crime aberto, em 2012, a supostos favores de Manuel Pinho, em benefício pessoal, à EDP. A investigação do Ministério Público às chamadas "rendas excessivas" ainda prossegue.
Esta terça-feira, e tal como tem sido habitual neste e noutros processos em que é arguido, Ricardo Salgado, de 79 anos e submetido a 28 de setembro de 2023 a uma perícia no Instituto Nacional de Medicina Legal para apurar se sofre mesmo de Alzheimer, não compareceu no tribunal.
"Não está aqui hoje por razões de saúde", frisou, aos jornalistas, um dos advogados do ex-banqueiro, Francisco Proença de Carvalho, insistindo que o ex-presidente do BES "não tem condições de se autodefender" no julgamento e, por isso, o processo tem de ser extinto.
A primeira sessão está agora agendada para sexta-feira, 6 de outubro, estando ainda pendente no Tribunal da Relação de Lisboa um recurso da defesa de Manuel Pinho para que o julgamento comece apenas na próxima semana. Em causa está o facto de, alega, não ter sido notificada em devido tempo do início do julgamento.
"Desmotivados com tudo"
A manhã desta terça-feira ficou ainda marcada pela presença no Campus de Justiça de Lisboa, com "justiça" como palavra de ordem, de cerca de duas dezenas de funcionários em protesto, um número aquém das expectativas do Sindicato dos Funcionários Judiciais.
"Eu tenho sentido nas redes sociais que os colegas estão muito descontentes. Esperava que viessem para aqui. Mas também entendo que é uma forma de alguns nem virem ao local de trabalho, porque estão tão desmotivados com tudo que nem têm vontade de vir ao sítio onde passam a maior parte do tempo", sublinhou, ao JN, a secretária-geral da organização sindical, Gabriela Mota, salientando que o objetivo dos oficiais de justiça "não é adiar" julgamentos e outras diligências mas sim conseguir trabalhar com "dignidade".
Os profissionais têm reivindicado, com diversas paralisações desde o início de 2023, o descongelamento de promoções na carreira e a inclusão imediata no vencimento, a 14 meses, do suplemento de recuperação processual, medidas que, até ao momento, não foram atendidas. Ao final da tarde de segunda-feira, o Ministério da Justiça entregou aos sindicatos uma proposta de revisão do Estatudo dos Oficiais de Justiça, que desagradou também aos funcionários judiciais.
As principais novidades são a criação de duas carreiras paralelas, para uma "maior especialização" dos oficiais de justiça, e a substituição do suplemento de recuperação processual por um suplemento de disponibilidade, pago a 12 e não a 11 meses e com um valor mais elevado do que atual complemento.
"O documento que foi apresentado ontem mostra uma insensatez e uma falta de respeito por quem trabalha cá há anos. Faz uma cisão de carreira. Divide pessoas que trabalham há 40 anos, pondo-as de parte com a possibilidade de subirem para uma carreira de grau de complexidade três, sem saber o número e quando isso será possível acontecer", considerou Gabriela Mota, que associa ainda o suplemento a uma forma de fazer "com que quase todos os oficiais de justiça" acabem por fazer "trabalho escravo".
O SFJ irá, em breve, para reunir em assembleia-geral para decidir se mantém, ou não, as greves e outras manifestações agendadas até 31 de dezembro deste ano.