Adolescente diz que mentiu ao tribunal, mas padrasto continua preso por abuso sexual
Um homem foi condenado a seis anos de prisão por abuso sexual da enteada, após o Tribunal de Coimbra ter conferido credibilidade ao testemunho da vítima, com 14 anos à data do crime.
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Porém, nove meses após a condenação, a adolescente escreveu uma carta aos juízes a desmentir o que tinha dado como certo. Numa segunda missiva, justificou a mentira com o desejo de não querer que o padrasto mantivesse o relacionamento com a mãe. Atrás das grades, o condenado tentou, várias vezes e por diferentes meios, reabrir o processo, mas nunca obteve sucesso. Na última quinta-feira, até o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) rejeitou a sua queixa.
Foi na cadeia da Guarda que o homem, hoje com 55 anos, recebeu a notícia de mais um arquivamento. Ali entrou em 22 de setembro de 2021, na sequência da sentença a seis anos de prisão, por três crimes de abuso sexual de menores, cometidos em 2018. Pouco antes, em março desse ano, os juízes tinham dado como credível o testemunho da enteada e usaram-no para sustentar a condenação.
Não queria mãe e padrasto juntos
Na ocasião, o arguido não recorreu da decisão, contudo, nove meses depois, a adolescente endereçou uma carta ao Tribunal de Coimbra a pedir que a queixa-crime fosse retirada, porque tinha havido um mal-entendido.
Imediatamente, o padrasto apresentou um recurso extraordinário de revisão no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para que o processo fosse reaberto, mas não obteve provimento. Segundo os juízes conselheiros, tal só podia suceder se houvesse outra sentença, transitada em julgado, que considerasse que falsos meios de prova foram determinantes para a decisão inicial. Ou seja, o Tribunal de Coimbra teria, primeiro, de condenar a enteada por falsidade de depoimento.
Como isso não aconteceu, o padrasto continuou preso. Mesmo após a jovem ter escrito uma segunda carta a garantir que tinha mentido durante todo o julgamento, porque não o queria junto da mãe.
Queixa contra a menor por falso testemunho arquivada
O condenado avançou, então, com uma queixa-crime por falso testemunho contra a adolescente, mas também esta seria arquivada com o fundamento de que a rapariga era, em função da idade, inimputável criminalmente. Seguiu-se um novo pedido, no STJ, para reabrir o processo que, mais uma vez, foi rejeitado. E, em abril de 2022, o falso depoimento também foi motivo para o requerimento ao Ministério Público, do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, para a instauração de um processo tutelar educativo contra a enteada.
A instância foi indeferida com o fundamento de que a rapariga atingira a maioridade, em 2022, como indeferido foi o terceiro pedido para reabrir o processo relativo aos abusos sexuais, levado ao STJ.
O padrasto recorreu, por fim, ao TEDH, mas o resultado foi semelhante. Na decisão revelada na quinta-feira, os juízes europeus frisam que o papel do STJ era, somente, verificar se estavam reunidas as condições para a reabertura do processo e foi isso que fez, cumprindo a lei em vigor, nomeadamente o artigo 449.º do Código de Processo Penal, que impõe que a “revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova tenham sido determinantes para a decisão” inicial.
Lembram, ainda, que o padrasto não recorreu da condenação para o Tribunal da Relação e alegam que a queixa-crime apresentada contra a enteada não terá sido o “meio mais eficaz” para conseguir a reabertura do processo.
Por tudo isto, arquivaram o processo e o padrasto continua preso.
Cronologia do caso
17 de março de 2021 – padrasto condenado no Tribunal de Coimbra por três crimes de abuso sexual agravado, a pena de seis anos de prisão.
22 de setembro de 2021 – Como não apresentou recurso, condenado foi preso.
10 de novembro de 2021 – Enteada enviou uma carta ao Tribunal de Coimbra, afirmando que tinha havido um mal-entendido e a solicitar a retirada da queixa-crime. Com base nessa carta, o padrasto apresentou um recurso extraordinário de revisão no Supremo Tribunal de Justiça para que o processo fosse reaberto.
8 de fevereiro de 2022 – Enteada enviou ao Tribunal Criminal de Coimbra uma segunda carta, afirmando que tinha mentido durante todo o julgamento porque não queria que o requerente e a sua mãe estivessem juntos.
17 de fevereiro de 2022 - O Supremo Tribunal de Justiça recusou a reabertura do processo
13 de abril de 2022 - Padrasto apresentou queixa-crime contra a enteada por falso testemunho. O Ministério Público arquivaria o caso.
14 de julho de 2022 – Supremo Tribunal de Justiça voltou a rejeitar novo pedido de revisão apresentado pelo padrasto
20 de julho de 2022 – Padrasto requereu ao Ministério Público, junto do Tribunal de Família de Coimbra, a instauração de um processo tutelar educativo contra a enteada por falso testemunho. O pedido foi indeferido com o fundamento de que esta atingira a maioridade, em 9 de março de 2022.
1 de fevereiro de 2023 – Supremo Tribunal de Justiça rejeita o terceiro pedido de revisão apresentado pelo padrasto
13 de março de 2023 – Padrasto apresentou queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Na última quinta-feira, a queixa foi arquivada