Ministério Público imputa a jurista de Braga e ao marido, empresário, dezenas de crimes de burla qualificada e falsificação de documentos. Arguidos são suspeitos de vender imóveis de emigrantes à sua revelia.
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O Ministério Público de Braga acusou recentemente uma advogada da cidade de 22 crimes de burla qualificada, por esta ter vendido imóveis de clientes sem a sua autorização e com recurso a procurações e outros documentos falsificados. A burla, que atingiu 22 pessoas, a maioria delas emigrantes, atinge 1,064 milhões de euros.
Anabela dos Santos Nogueira, de 39 anos, que atuava em parceria com o marido, Bruno Nogueira, de 35 anos, está acusada de 65 crimes, 22 dos quais de burla qualificada. Já o marido, empresário do ramo automóvel, está indiciado de 52 crimes, 22 dos quais de burla qualificada.
Ambos os arguidos estão ainda acusados de crimes de falsificação de documentos e de falsas declarações, também na forma agravada. Os crimes terão sido praticados entre 2015 e 2017. E o inquérito envolveu ainda duas outras pessoas, que terão ajudado no esquema, com falsas declarações e falsificações.
usou informação privilegiada
A acusação sustenta que, após a sua saída da empresa Eurolímpica, em 2013, onde era advogada, a arguida e o marido gizaram o plano criminoso. Aproveitando-se de documentação pessoal e patrimonial a que teve acesso no exercício das funções naquela sociedade, a advogada usou essa mais-valia e a qualidade e conhecimentos técnicos ali adquiridos para praticar atos de autenticação de assinaturas e aceder a diversas plataformas de várias entidades, tais como registos prediais e tribunais.
Aqueles dois arguidos, "entre 2015 e 2017, utilizaram essas competências para fabricar procurações, aparentemente autenticadas, munidos das quais constituíram hipotecas e/ou celebraram contratos de compra e venda sobre imóveis pertencentes às pessoas cujos elementos de identificação tinha obtido na Eurolímpica, conseguindo dessa forma enriquecer à custa dessas pessoas e à sua revelia", afirma o magistrado do Ministério Público, acrescentando que, "assim, a arguida Anabela Santos (...) redigiu procurações, termos de autenticação e registos de atos online, sempre com conhecimento e em conluio com o arguido Bruno Nogueira, onde um deles, ou alguém a mando deles, após dizeres simulando as assinaturas dos declarantes, que utilizaram na celebração de atos notarias, sempre de comum acordo e para benefício comum do casal".
A advogada também usou, sem consentimento, um carimbo com o nome e contactos da causídica e colega de escritório Cremilde Pereira, e os dizeres "Cremilde Pereira", de forma idêntica à sua assinatura manuscrita.
Com a falsa "procuração" na mão, a jurista elaborava ainda um documento de registo online dos atos de advogado, ao qual atribuiu falsamente um número e um código, para simular que tal autenticação havia sido registada no Portal da Ordem dos Advogados.
Processos para recuperar bens
A acusação salienta que os arguidos sabiam que, ao utilizar os referidos documentos, enganando também os notários (em Braga, Famalicão, Maia e Penafiel, etc.) e sabendo que não haviam sido elaborados nem assinados pelos proprietários dos imóveis, punham em perigo a credibilidade e a fé pública que os mesmos merecem à generalidade das pessoas, bem como a segurança e confiança no tráfico jurídico.
Neste momento, no Tribunal Cível de Braga também correm três processos cíveis, em que os lesados tentam reaver os bens ou o dinheiro deles, havendo ainda um outro inquérito-crime pendente, por alegada burla, no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto.
Casos
Irmão e cunhado entre as vítimas de fraudes
A maior burla, no valor de 160 mil euros, atingiu um cunhado e a mulher, a quem Anabela dos Santos Nogueira (na foto) e o consorte venderam dois prédios urbanos na freguesia de Arcos. A acusação nota que a advogada Anabela Nogueira enganou e prejudicou o irmão, já que, na qualidade de representante legal de uma empresa dele, se esqueceu de dar entrada em tribunal com ações de recuperação de dívidas, tendo dito que o fizera e inventado números falsos dos respetivos processos.
Pormenores
Excluída do CEJ
Anabela Santos Nogueira foi excluída do Centro de Estudos Judiciários depois das denúncias das irregularidades. Entrou após ter exercido advocacia.
Burla com cheque
A causídica falsificou um documento de uma empresa de Braga depois de lhe ter passado um cheque "careca" de 2500 euros. Nele dizia-se que a verba já estava paga, o que levou o banco a anular o processo que levaria à sua inibição.
Nem notaram fraude
A maioria dos lesados só descobriu que tinha sido enganada através dos registos do imposto municipal sobre imóveis.