Uma advogada, de 63 anos, foi condenada a 16 anos e 3 meses de prisão por homicídio qualificado e falsas declarações, em Lisboa. Seduziu e envenenou o parceiro, também advogado, de 78 anos, apoderou-se do saldo da conta conjunta e saiu de casa com alguns pertences e as cinzas de um cão.
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Nos meses seguintes ao crime, a mulher, brasileira, usou várias identidades e levantou mais de 11 mil euros. Seria localizada e identificada pelas impressões digitais. Foi condenada em primeira instância, de onde recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa e, depois, para o Supremo Tribunal de Justiça, chegando a invocar o uso ilegal de metadados. Mas estas duas instâncias confirmaram a condenação da arguida, que está presa desde abril de 2021.
A advogada imigrou para Portugal no início dos anos 90, após um casamento falhado. Aos 57 anos, já depois de um segundo matrimónio, "conflituoso e violento", conheceu a vítima, 20 anos mais velha, nos Açores, onde ambos exerciam advocacia. Em 2016, iniciaram uma relação amorosa e foram para Lisboa. Em junho de 2018, após a morte do seu cão Bolinha, de que culpava a vítima, a mulher terá decidido matar o companheiro e daí tirar vantagem económica.
Remédio para a impotência
A 1 de agosto, o cadáver do advogado foi encontrado em casa, já em estado de putrefação. Sofrera uma intoxicação aguda por amitriptilina, um antidepressivo. Estava de calças desapertadas, ao lado de uma lamela de Cialis (medicamento para a disfunção erétil). Na mesa, estava um copo e uma garrafa de vinho; ambos vazios e sem qualquer impressão digital, nem sequer do próprio.
A investigação apurou que, nas semanas anteriores ao crime, a arguida comprara os medicamentos fatais e transferira para si mais de 12 mil euros da conta conjunta. Após a morte, não voltou a casa. Deixou o carro com um amigo e desligou o telemóvel. De seguida, fez 57 levantamentos em vários locais da cidade, num total de 11 350 euros.
A 18 de fevereiro de 2021, a advogada brasileira foi localizada pela Polícia Judiciária na casa de um amigo, de 84 anos, que tinha conhecido num baile. Deu uma identidade e um contacto falsos. No dia seguinte, mudou-se para casa de outro amigo e trocou de número de telefone. Seria novamente encontrada a 13 de abril.
Nesta altura, deu nova identidade e afirmou que não tinha nenhum documento de identificação, nem residência fixa. Acabaria por ser identificada pelas impressões digitais. Foi julgada e, em maio de 2022, condenada pelo Tribunal Judicial de Lisboa. A decisão foi confirmada em setembro do ano passado pela Relação de Lisboa e a 14 de fevereiro pelo Supremo.
Tribunais concluem que metadados não foram decisivos
Em recurso, a arguida alegou que foram usados "métodos proibidos de prova, no caso metadados". Tanto a Relação de Lisboa como o Supremo rejeitaram a alegação. Argumentaram que o número de telefone da arguida foi dado à Polícia por um amigo dela e um juiz autorizou escutas, tendo sido assim que foi obtida a lista de cartões telefónicos associados ao IMEI do seu telemóvel. Segundo os juízes, foram usadas normas distintas das abrangidos pela decisão do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade da lei dos metadados. Além disso, dizem que as escutas só serviram para localizar rapidamente a arguida e não para determinar a sua culpa. Se fossem removidas as provas decorrentes dos metadados, tal "não seria suficiente para alterar o sentido da prova e a formação da convicção do tribunal". As provas indiretas e os factos apurados "não deixam margem para dúvidas de que a arguida montou um ardil, por forma a fazer o falecido beber o conteúdo da garrafa com a amitriptilina diluída, enquanto o atraía para a prática sexual, levando-o também a tomar o comprimido de Cialis, o que conjugadamente produziu um cocktail explosivo, conduzindo à morte do companheiro, como bem pretendia", concluiu o Supremo.
Pormenores
Tramada por multa de trânsito de amigo
A Polícia Judiciária confrontou um homem que tinha sido identificado a cometer uma infração rodoviária ao volante de um automóvel que era propriedade da advogada suspeita. O condutor era um amigo daquela mulher e deu o seu número de telemóvel às autoridades, que assim conseguiram localizá-la.
Deixou para trás as cinzas do cão
Quando foi localizada pela primeira vez após o crime de homicídio, a advogada deixou para trás malas de viagem e uma caixa de madeira que tinha no seu interior cinzas e um cartão onde se lia: "BOLINHA Funerária animal". Depois de cometer o crime, a mulher tinha fugido de casa e levado consigo as cinzas.