Marisa Monteiro foi condenada a cinco anos de prisão por 50 crimes. Mais de 100 imigrantes pagaram cerca de 131 mil euros.
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Uma advogada foi condenada a cinco anos de prisão por 50 crimes de auxílio à imigração ilegal. O Tribunal de Lisboa deu como provado que Marisa Monteiro, de 42 anos, cobrou cerca de 131 mil euros para ajudar mais de 100 pessoas, oriundas sobretudo do Congo, Senegal, Gâmbia e Mali, a entrar e permanecer irregularmente em Portugal. A maioria era menor e muitos fugiram do país para se prostituírem.
A advogada, a residir em Odivelas, integrava uma rede de imigração ilegal que, entre 2015 e 2018, se dedicou a fazer chegar cidadãos africanos à Europa, tendo Portugal como porta de entrada. Crianças, homens e mulheres eram angariados nos países de origem e viajavam, quase sempre a partir de Dacar, no Senegal, para Lisboa.
No Aeroporto Humberto Delgado apresentavam documentos falsificados ou, sendo verdadeiros, emitidos em nome de outras pessoas e, invariavelmente, acabavam retidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Foi, aliás, o SEF que desmantelou o esquema ao descobrir que estes imigrantes eram, poucas horas após o desembarque, visitados pela advogada no Centro de Instalação Temporária (CIT) do aeroporto. Esta rápida reação só era possível porque, deu como provado o tribunal, vários elementos da rede, incluindo o líder, Samba Sow, "forneciam previamente à arguida informações detalhadas sobre a chegada de cidadãos estrangeiros, com a indicação precisa do número do voo, da data e da hora da chegada e dos seus nomes".
Recurso esgota prazo
Aquando do primeiro contacto com os imigrantes ilegais, Marisa Monteiro fazia-os assinar uma procuração, que lhe dava poderes para "apresentar pedidos de asilo, que permitiam que aqueles permanecessem irregularmente em território nacional". Quando os pedidos de asilo eram recusados pelo tribunal, a causídica avançava com um recurso, que forçava a que os requerentes fossem libertados, no final dos 60 dias de retenção no CIT.
Em seguida, Marisa Monteiro aconselhava os cidadãos estrangeiros a fugir de Portugal, sempre de autocarro para evitarem fiscalizações e serem deportados.
Dinheiro em Baião
A intervenção da advogada nos 106 processos de pedidos de asilo só acontecia após esta receber os honorários. Nalgumas situações, eram os imigrantes que pagavam diretamente à advogada. Noutras, o dinheiro chegava a Marisa Monteiro através de transferências bancárias feitas a partir dos serviços MoneyGram, Western Union ou Unicâmbio.
Várias transferências foram feitas para as contas da mãe, de um irmão e de um primo da advogada que moram perto de Baião. Os montantes eram recolhidos quando Marisa Monteiro visitava a família nas festas ou em fins de semana prolongados.
Pagamento
1000 euros
era o valor que, na maioria das vezes, cada cidadão estrangeiro pagava à advogada para poder entrar e permanecer irregularmente em Portugal. Nalguns casos, o montante a pagar subia aos 1700 euros.
Casos provados
Adolescente fugiu para se prostituir em França
Marceline Botela, natural do Congo, perdeu a mãe e acabou a prostituir-se nas ruas do Senegal. Aos 15 anos foi obrigada a viajar para Lisboa, onde chegou no primeiro dia de 2017. Nessa tarde, pagou 1140 euros - dinheiro que trazia consigo - a Marisa Monteiro para que esta requeresse asilo em seu nome. Seria colocada no Centro Português para Refugiados, do qual fugiu para regressar à prostituição. Seria apanhada no interior de um autocarro que atravessava a fronteira entre Espanha e França. O homem que a acompanhava fugiu.
Rapaz com passaporte falso está desaparecido
A 29 de março de 2016, Gongara Niakate, de 16 anos, vindo do Mali, foi apanhado pelo SEF com um passaporte francês emitido noutro nome e sobre o qual pendia uma medida de apreensão. Nesse mesmo dia falou com a advogada portuguesa, que requereu o seu asilo. Não se conhece o paradeiro do jovem, assim como de muitos outros imigrantes ajudados por Marisa Monteiro.
Menor e padrasto passam procurações
Mauricia Kimbembe, congolesa, de 13 anos, chegou a Lisboa em setembro de 2016. Apresentou um passaporte francês falso e foi retida. Na revista à bagagem, o SEF encontrou o verdadeiro passaporte da menor. Mauricia viajava na companhia de um homem que se apresentou como seu padrasto e que, tal como a rapariga, passou uma procuração a Marisa Monteiro para os representar no pedido de asilo.
Mais pormenores
Demasiado rápida
Num dos casos sinalizados pelo SEF, a advogada dirigiu-se ao aeroporto para falar com um imigrante quando este ainda estava no controlo de fronteira e não tinha sido declarado ilegal.
Paga comissões
Depois de receber entre 1000 e 1700 euros dos imigrantes, Marisa Monteiro enviava para os angariadores entre 550 e 650 euros, uma espécie de comissão.
Nega acusações
A condenada negou as acusações, alegando que "recebia contactos de familiares de cidadãos retidos no aeroporto de Lisboa", para "verificar o que era possível fazer".