Advogado dava luvas a inspetora do SEF em caixas de vitaminas para acelerar processos
Arguida era coordenadora e terá acelerado processos de legalização de clientes do jurista e de outros advogados "amigos".
Corpo do artigo
Uma inspetora coordenadora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e um advogado estão a ser julgados no Tribunal de Loures por crimes de corrupção, denegação de justiça e prevaricação, além de abuso de poder, falsificação de documento e furto. A arguida, atualmente suspensa de funções, foi acusada de receber luvas que o advogado lhe entregava escondidas em caixas de vitamina C, para acelerar processos de imigrantes, clientes do jurista.
Os crimes terão acontecido entre 2015 e 2018, quando Sónia Francisco foi coordenadora do Posto de Atendimento em Alverca e, a partir de 2017, inspetora no Departamento Regional de Emissão Documental da Direção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo.
Em Alverca, a arguida fazia a gestão das chamadas vagas de atendimento extra. São vagas diárias pré-definidas, muito limitadas, e que se destinam a atender imigrantes que já tinham comparecido em marcações autorizadas e com processos pendentes, por exemplo por ter faltado determinado documento. Sónia Francisco utilizaria as "extras" para atender clientes de advogados amigos.
O Ministério Público (MP) garante que a arguida fazia a gestão das vagas extra contrariando o procedimento instituído e "em claro aproveitamento das funções que lhe incumbiam, sendo dada preferência a atendimentos sem marcação prévia a requerentes acompanhados de determinados advogados".
Processos com prioridade
A inspetora terá usado o esquema para atender 42 imigrantes meses antes da data agendada. O MP dá como exemplo um imigrante do Médio Oriente cujo processo de regularização foi despachado de um dia para o outro sem qualquer registo de marcação e sem que o processo tivesse obtido um parecer prévio por parte da fiscalização do SEF. Isso apesar de esta fiscalização ser obrigatória na instrução de qualquer pedido para obtenção de autorização de residência.
A partir do início de 2017, a arguida mudou de local de trabalho e passou a exercer funções no Departamento Regional, onde tratava da instrução de processos de reagrupamento familiar requeridos por estrangeiros já legalizados, propondo o deferimento ou indeferimento dos pedidos.
A responsável terá então sido abordada pelo advogado Miguel Rijo, para acelerar os processos dos clientes deste a troco de dinheiro. As tramitações que demoravam normalmente quatro ou cinco meses passaram a ser feitas em quatro ou cinco dias.
A acusação descreve várias vigilâncias efetuadas pelo próprio SEF em que a inspetora recebia e entregava documentação ao advogado em locais públicos. Numa das vigilâncias, o jurista entregou "uma caixa de medicamento "Redoxon" (vitamina C) no interior da qual estavam dissimuladas oito notas de cinquenta euros". Ao mesmo tempo, também lhe deu uma mica transparente contendo documentos relativos a processos de reagrupamento familiar por si instruídos.
Pormenores
Jurista com fama entre imigrantes
De acordo com o Ministério Público, o advogado Miguel Rijo era conhecido por tratar dos processos de reagrupamento familiar com muita rapidez. Por isso, seria escolhido "pelos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal que pretendiam requerer o reagrupamento para familiares seus, em detrimento de outros advogados". Pelos serviços prestados, o jurista cobrava quantias entre os 200 e os 500 euros por cada processo, "em situações de idêntica complexidade". Ainda segundo a acusação, recebia essas quantias dos cidadãos estrangeiros, mas não lhes passava os recibos correspondentes.
Investigação do SEF durava há meses
A coordenadora arguida foi abordada por inspetores do SEF logo após ter recebido as luvas escondidas numa caixa de vitaminas. Estava há meses a ser monitorizada por elementos da Direção Central de Investigação do SEF.
Furtou carimbo de colega
A arguida também é acusada de furtar o carimbo oficial de uma colega, que estava fechado numa gaveta. Terá usado o carimbo em sete processos de reagrupamento familiar para ocultar o facto de eles terem sido por si instruídos, tramitados e concluídos num prazo muito mais reduzido do que o normal.