Advogado de militar da Força Aérea acusado de praxes violentas tenta afastar juízas do processo
O julgamento dos dez militares da Força Aérea Portuguesa acusados de praxes violentas alegadamente cometidas sobre dois soldados na Base Aérea N.º 5 – Monte Real, Leiria, foi esta terça-feira adiado devido a um requerimento de um dos advogados que pretende afastar o coletivo de juízes a quem foi distribuído o processo.
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A decisão sobre esse pedido cabe ao Tribunal da Relação do Porto, o que obrigou à suspensão da audiência de julgamento e à desmarcação das sessões que já estavam agendadas.
Em causa está um requerimento, apresentado por Carlos Caneja Amorim, em que este pedia que a acusação do Ministério Público (MP) fosse rejeitada por, no seu entender, ser “manifestamente infundada” e conter “nulidades insanáveis” que determinariam o encerramento imediato do processo, com a consequente absolvição dos arguidos.
O advogado fala numa “série de vícios” que ocorreram durante a investigação e que “implicam um juízo de falta de imparcialidade, de ostensiva parcialidade, de apenas dirigir o processo para a arraia-miúda que, no fundo, são os cabos e os soldados”. “Onde estão os superiores hierárquicos neste processo? E depois há, para mim, algo que implica a certidão de óbito deste processo, que é o facto de existir um despacho do Ministério Público a convocar uma reunião com o órgão de polícia criminal [Polícia Judiciária Militar] cuja ata não existe.”
Como o coletivo indeferiu liminarmente o requerido pelo causídico, alegando que a rejeição da acusação já não seria possível e que eventuais nulidades insanáveis não seriam consideradas num fase posterior do processo, a defesa do arguido Roberto Silva entendeu que o coletivo não seria capaz de conduzir o julgamento de forma imparcial e fez saber que iria apresentar, ainda durante o dia de hoje, um requerimento para o Tribunal da Relação do Porto a pedir que as juízas que compõem o coletivo, que falaram em "sentido de inoportunidade", fossem afastadas deste processo.
Questionado sobre as razões que o levaram a apresentar o requerimento no dia de início do julgamento, Carlos Caneja Amorim diz que foi “o momento certo”. "Sei que o coletivo foi super simpático, foi super transparente em termos da postura que teve, mas não é aceitável, no plano de direito, que o processo não seja arquivado já".
Carlos Caneja Amorim diz que não compreende como é que a investigação demorou cinco anos e que tenha havido "mais de 20 prorrogações" sem que tenha havido produção de prova. "Como é que se pede uma prorrogação de um processo em que não há prova nenhuma até ali? E nós percebemos porquê. Porque estava-se à espera que o processo disciplinar acabasse e que nesse processo disciplinar algum deles quisesse fazer um acordo para não ser expulso e fosse um delator premiado mentindo para ter prémio. É absolutamente falso o que consta aqui em termos de acusações", acrescentou.
Processo de integração
De acordo com a acusação do Ministério Público, a que o JN teve acesso, os arguidos consideravam que os dois antigos soldados “apresentavam um nível de desempenho abaixo do padrão”. Por isso planearam sujeitar os colegas a uma praxe, uma “integração por forma a aperfeiçoar ou assimilar os procedimentos de serviços diários relativos às funções de controlo de acessos”.
Entre maio de 2018 e setembro de 2019, a investigação, tutelada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto e a cargo da Polícia Judiciária Militar (PJM), apurou que, “por várias vezes e em dias distintos, foi ordenado pelos arguidos aos ofendidos que comessem ração e líquidos para canídeos na presença de outros militares”.
Antes, era ordenado às vítimas que que se colocassem em posição canina. Enquanto havia ração ou líquido nas gamelas dos cães, os soldados eram obrigados a executarem as ordens. Por vezes, também tinham que apanhar a ração com a boca em cima do balcão do bar da Esquadra de Proteção e Segurança, onde era espalhada pelos arguidos. “Nestas ocasiões, também lhes era ordenado que rastejassem com o corpo na pista de obstáculos de canídeos”, garante o Ministério Público, que imputa a prática dos crimes aos dez arguidos em coautoria.
A investigação refere que, no período noturno, “os arguidos, por várias vezes, ordenaram aos ofendidos que entrassem numa gaiola de transporte de cães, colocada numa viatura de serviço”, sendo transportados pela periferia da base aérea, em terreno “sinuoso e acidentado”.
Os dez arguidos também terão ordenado aos soldados que “ingerissem bebidas alcoólicas até que os mandassem parar” e ainda segundo a acusação, privaram as vítimas dos turnos de descanso, nas noites em que estas estavam de serviço à Porta de Armas.
Segundo o Ministério Público, a atuação dos arguidos levou um dos ofendidos "a tentar suicídio", em julho de 2019, enquanto o outro ex-soldado "simulou o furto de um cartão bancário de um camarada, com o seu conhecimento", com o intuito de ser expulso da Força Aérea Portuguesa e evitar o pagamento da indemnização obrigatória no caso de cessação do contrato por iniciativa própria.
Os arguidos estão acusados de dois crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física e dois crimes de abuso de autoridade por outras ofensas. Um dos arguidos responde também por uso ilegítimo das armas.