Cabecilhas chamaram juristas para defender correios da droga detidos, a fim de não serem denunciados. Rede também furtou centenas de catalisadores.
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Três advogados com escritório em Coimbra foram acusados pelo Ministério Público (MP) de, durante mais de um ano e meio, terem trabalhado para que os cabecilhas de uma rede de tráfico de droga e furto de catalisadores não fossem denunciados pelos executantes dos crimes, que estavam detidos.
Manuela Nunes Ferreira, de 44 anos, Augusto Videira Murta, de 57, e Ana Cristina Marçalo, de 53, são ainda suspeitos de terem planeado o modo como uma testemunha de um tiroteio à porta de uma discoteca na Figueira da Foz, em 2019, poderia alterar, a troco de dinheiro, o seu depoimento para tentar ilibar o filho de dois dos três líderes da rede, de caráter familiar. O jovem foi à mesma condenado.
Ontem, nenhum dos causídicos atendeu o telefone nem respondeu, em tempo útil, às perguntas que o JN remeteu por e-mail. São suspeitos, entre outros crimes, de prevaricação e favorecimento, por terem faltado aos seus deveres legais.
Além dos três advogados, foram ainda acusados pelo MP mais 34 pessoas, incluindo 14 alegados membros da organização. Treze residem na Figueira da Foz.
De acordo com a acusação, o grupo começou por se dedicar, no final de 2019, ao tráfico de cocaína, heroína e ocasionalmente haxixe, na Figueira da Foz. A droga seria adquirida no Porto, em grandes quantidades, por toxicodependentes controlados pelo grupo, pagos com estupefaciente para consumo. Outros operacionais venderiam depois a droga aos consumidores, na Figueira da Foz, com os elementos da rede a ficarem sempre na retaguarda.
No final de 2020, os membros da organização decidiram apostar também no furto de catalisadores, recorrendo a um esquema similar. No total, terão subtraído 323 aparelhos e tentado extrair mais dez, na região Centro, Braga, Grande Porto e Grande Lisboa. A venda dos catalisadores rendeu, no mínimo, 70 598 euros.
Correios apanhados
Só que, a 15 de setembro e 11 de outubro de 2020, dois dos correios da droga acabaram por ser apanhados pelas autoridades no percurso Porto-Figueira da Foz. Terá sido então que dois dos cabecilhas da rede falaram com Manuela Nunes Ferreira para que esta representasse os detidos, garantindo assim que não eram denunciados durante a investigação. Tal terá permitido também que ficassem a saber o que a Justiça sabia sobre si e que, na posse dessa informação, tentassem livrar-se de um carro sob suspeita.
A 17 de novembro seguinte, terá sido a vez de Augusto Videira Murta e Ana Cristina Marçalo serem chamados para, com o mesmo fim, defender um operacional detido ao furtar um catalisador. Já em março deste ano, o trio terá planeado a defesa de outros dois ladrões, então detidos no mesmo processo em que os advogados foram agora acusados.
Pescador escravizado durante anos
Onze dos alegados membros da rede estão acusados de, durante anos, terem escravizado um pescador toxicodependente. O homem - falecido em março passado, segundo o MP, "em circunstâncias ainda não inteiramente esclarecidas" -terá começado por realizar tarefas domésticas e pequenas obras na habitação de dois dos arguidos, a troco de droga gratuita. Ocasionalmente, era ainda impedido de ir para o mar. Posteriormente, terá começado a ser levado para os locais de venda de estupefaciente para, caso fossem apanhados, assumir as culpas. Terá passado, igualmente, a furtar uma média de 12 catalisadores por noite. Caso tentasse opor-se ao que lhe pediam, ficaria sem a droga em que era viciado e seria espancado. A situação seria do conhecimento dos 11 arguidos, que terão chegado a invadir, com amigos e familiares não identificados, a casa em que o pescador residia com os pais e os irmãos, para o castigar.
Pormenores
Burlou da cadeia
O principal suspeito, de 35 anos, terá burlado várias pessoas a partir da cadeia de Coimbra, com um colega de cela. Foi entretanto transferido para a prisão de Aveiro.
Advogada coagiu
Manuela Nunes Ferreira está acusada de 13 crimes, incluindo coação, por ter assinado uma queixa do filho de dois dos cabecilhas da rede contra uma outra testemunha do tiroteio ocorrido à porta da discoteca, na Figueira da Foz.
Faltaram ao dever
Prevaricação e favorecimento pessoal são alguns crimes comuns aos três advogados.