Leopoldo Camarinha, advogado de Ugo Berardinelli, diretor de operações e manutenção da Ascendi, acusou, esta tarde, o Ministério Público (MP) de ter feito uma "acusação por atacado", ao pedir a mesma pena para os três colaboradores da empresa, nas alegações finais relativas ao julgamento dos incêndios de 17 de junho de 2017, em Pedrógão Grande.
Corpo do artigo
"No que respeita aos arguidos Ugo Berardinelli, José Revés e Rogério Mota, o MP faz uma acusação por atacado, não os responsabilizou individualmente, mas como colaboradores da Ascendi, à semelhança do que fez com os colaboradores da EDP [E-Redes], apesar de terem atribuições e competências distintas", afirmou Leopoldo Camarinha.
No caso concreto do seu cliente, o advogado disse que tinha uma "posição intermédia" na Ascendi, pelo que não lhe podia ser atribuída responsabilidade, como fez o MP. "Afirmar que as obrigações de gestão de combustível na EN236-1 são da responsabilidade de Ugo Berardinelli não me parece suficiente para o responsabilizar criminalmente."
"Não é o diretor de operações de todas as concessões e subconcessões da Ascendi no Pinhal Interior, ao longo de 1400 quilómetros, que deve cortar os arbustos, desramar as árvores e a vegetação herbácea", afirmou Leopoldo Camarinha. Além disso, referiu que não dispunha de meios, nem de autonomia para adquirir bens e contratar serviços a partir de seis mil euros.
O advogado esclareceu, por isso, que o arguido da Ascendi não teve participação nos contratos adjudicados pela comissão executiva à empresa Vibeiras, para fazer a gestão das faixas de combustível, pelo valor de cerca de 249 mil euros. No entanto, assegurou que "não deixou de cumprir o dever de cuidado", ao garantir que a empresa cumpria os contratos.
Quanto à limpeza das faixas de gestão de combustível numa largura de dez metros, Leopoldo Camarinha disse que Ugo Berardinelli questionou a empresa se devia dar cumprimento a essa orientação, porque não tinha competências para tomar essas decisões.
"O arguido implementou, em 2007, um procedimento que manteve até à ocorrência do incêndio: nos concelhos em que existisse Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) em vigor, a gestão de combustível seria de dez metros", explicou. Nos casos em que o PMDFCI tivesse caducado, a largura seria de três metros, "em conformidade com o manual da empresa, aprovado com a concordância do Estado".
Face às acusações do MP, Leopoldo Camarinha questionou que mais é que o arguido podia ter feito, se o PMDFCI de Pedrógão Grande estava caducado. "Ir contra os procedimentos da empresa? Exigir à Vibeiras a limpeza de dez metros se o PMDFCI não estava em vigor? Pagava do bolso dele?"
A este propósito, o representante legal de Ugo Berardinelli referiu que a portaria que regulamentava os PMDFCI determinava a identificação das áreas onde se aplicam, numa largura não inferior a dez metros, tal como o prazo de vigência de cinco anos, apesar de ser objeto de revisões anuais.
Acusação "chocante"
José Ricardo Gonçalves, advogado de Rogério Mota, colaborador da Ascendi, também pôs em causa o MP, ao atribuir responsabilidade ao arguido pelas mortes de 34 pessoas e ferimentos em sete, por "não ter cortado ou mandado cortar" a vegetação numa largura de dez metros, entre os quilómetros 7 e 9 da EN 236-1, que ficou conhecida como a "estrada da morte". "O MP pede a condenação em pena superior a cinco anos, em pena de prisão. É chocante, vindo do MP, que representa o Estado português."
Convicto de que o coletivo de juízes do Tribunal de Leiria esteve "triplamente atento" e que "fará justiça", o advogado sublinhou que o MP "nada provou" e que a acusação "não tem qualquer fundamento", tendo em conta a ocorrência de três fenómenos naturais: dois downburst e um cumulonimbus, pelo que sustentou a ausência de nexo de causalidade entre a conduta de Rogério Mota e os incêndios.
O defensor do arguido recorreu a inúmeros testemunhos que deram conta da ocorrência de um "incêndio de sexta geração, essencialmente de superfície, com caráter explosivo, com chamas até 80 metros de altura, temperaturas entre 1200 e 2000 graus, e ventos de 130 quilómetros por hora". Lembrou também que a faixa de gestão de combustível não se destina a salvar pessoas.
Para provar que o MP estava errado, quando disse que se se fizesse gestão das faixas de combustível não teria havido vítimas, mesmo com a ocorrência do fenómeno de downburst (vento de grande intensidade que sopra em todas as direções) e um cumulonimbus (nuvem associada a tempestades), José Ricardo Gonçalves elencou seis casos de pessoas que morreram em Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, mesmo estando em clareiras ou em locais com pouca vegetação.
"Julgo que não há dúvida nenhuma quanto ao caráter imprevisível deste incêndio", argumentou o advogado. "Mesmo que houvesse uma obrigação de assegurar uma faixa de dez metros, é evidente que não existe de todo nexo de causalidade entre a ocorrência de vítimas mortais e feridos." Mas, vincou, na realidade não existia essa obrigação, pois o PMDFCI de Pedrógão Grande não estava em vigor. "Não era suscetível de criar obrigações junto da Ascendi e dos seus responsáveis", entre os quais Rogério Mota.
Em contrapartida, defendeu que o arguido sempre fez todos os trabalhos que lhe foram pedidos. "Rogério Mota cumpriu cabalmente o dever geral de cuidado, de forma competente", afirmou José Ricardo Gonçalves. "Não tem de se encontrar a todo o custo um responsável", declarou, confiante na absolvição.