A mãe dos meninos alegadamente raptados da casa da avó, no ano passado, em Gondomar, disse em tribunal que não foi a casa da vítima e que só admitiu que tinha agredido a progenitora porque o irmão a ameaçou.
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“Disseram que se fosse mulher com mulher não dava nada. Eu não sabia que bater dava cadeia”, desculpou-se Patrícia Dias. “Quantos anos tem?”, questionou a juíza. “34”. “E Não sabia que bater dava cadeia!?”, perguntou retoricamente a magistrada judicial, durante a primeira sessão do julgamento, esta quarta-feira.
A arguida garantiu que fez a viagem de Lisboa para o Porto de "boa fé", para ir buscar os dois filhos. Chegou, tomou a medicação e ficou a dormir. O companheiro Estrela e os irmão saíram. “Chegaram a casa por volta das 10 horas e obrigaram-me a fazer o vídeo. Fi-lo por medo, por ser obrigada pelo meu irmão Luciano. Acha que eu ia fazer isso à minha mãe?”, afirmou Patrícia, que tinha pedido para testemunhar sem a presença dos restantes arguidos. E explicou que ninguém a quis receber em casa para prisão preventiva porque "queriam que eu mentisse e eu disse que não".
A arguida recusou-se a responder às perguntas do advogado do companheiro e dos restantes arguidos, pelo que, na ausência de contraditório, não poderão ser valoradas pelo tribunal as afirmações prestadas por Patrícia Dias sobre os restantes arguidos.
Vítima recusou-se a prestar depoimento
Fátima, que terá sido agredida pelos próprios filhos em fevereiro de 2024, tinha pedido para prestar depoimento por videoconferência. A juíza informou que, por ser familiar diretas dos arguidos - três deles são seus filhos -, tinha o direito de não prestar depoimento. Fátima disse que apenas queria falar sobre alguns dos arguidos, mas tal não lhe foi permitido. “A senhora não pode escolher as perguntas. A partir do momento em que depõe, não se pode mais recusar a responder”, explicou a juíza. A testemunha decidiu então não falar mais ao tribunal e foi dispensada.
Ex-companheiro alvo de processo-crime por falsas declarações
Hélder, o ex-companheiro de Fátima, que também teria sido agredido no dia dos factos, teve um depoimento quase todo contrário ao que tinha dito na fase de inquérito. Negou ter visto armas, assumiu que foi ele a dar o primeiro murro e garantiu que dois dos três irmãos arguidos nunca chegaram a entrar na casa. Em vez das sete pessoas que disse terem entrado na residência, só vira três. Por fim, o telemóvel que começou por dizer ter-lhe sido roubado afinal estava debaixo de um sofá. As contradições mereceram o anúncio por parte do Ministério Público de que iria ser alvo de um processo-crime por faltas declarações.
Depois de a principal ofendida não ter querido prestar declarações por ser mãe de três dos arguidos, a segunda alegada vítima teve um depoimento que deixou sem fundamentos grande parte da acusação. Hélder, que revelou ter sido diagnosticado com esquizofrenia, pediu desculpa por ter identificado erradamente um dos arguidos. “Estou aqui a fazer um esforço. A puxar, a puxar, a puxar… Isto não é fácil como eu estou. Não me lembro. Não vou dizer que vi sem me lembrar”, explicou.
A juíza perguntou se tinha sido ameaçado e lembrou-lhe que há várias pessoas presas por causa das declarações que ele e a ex-companheira prestaram. “Tomara eu, pela alma da minha mãe não estar assim como estou. Tomo cinco comprimidos para dormir. Tinha uma pessoa a dizer mal deles”, justificou, frisando que terá sido a sua ex-companheira a dizer que tinha de os identificar.
Hélder contou que, no dia dos factos, saiu de casa e viu quatro pessoas a correr contra si, dois dos irmãos, Estrela e um outro homem. Assumiu que deu o primeiro soco e envolveu-se com Domingos e Luciano. Depois, só viu os outros dois homens a saírem da sua casa já com os meninos. E ainda viu Patrícia a sair de casa, nas suas costas. Eles foram todos embora. Hélder entrou em casa e viu que Fátima tinha uma marca no nariz. “E o cabelo?”, perguntou o magistrado do Ministério Público. “Sou sincero, nem reparei no cabelo. Ela tinha sempre o cabelo amarrado”. Estrela não se conteve e soltou um sonoro “piu”.
Depois, a pedido de vários dos advogados de defesa, Hélder virou-se para trás e admitiu que não conhecia três dos arguidos que antes tinha identificado, um dos quais está em prisão domiciliária há cerca de um ano. “Confundi com outro rapaz. Não imagina como está a minha cabeça desde esse dia. Passo noites e dias sem dormir”, justificou.
Plano para recuperar duas crianças à guarda da avó
Segundo a acusação, os nove arguidos, quase todos da mesma família, engendraram um plano para recuperar duas crianças que estavam à guarda da avó, desde que esta se separara do patriarca da família, em 2020. O Ministério Público sustenta que os arguidos descobriram a residência da mulher e invadiram-na armados com pistolas e facas. Ameaçaram Fátima e agrediram-na e ao companheiro até aquela desmaiar, cortaram-lhe o cabelo e levaram os dois menores. Ainda nesse dia, os três irmãos fizeram um vídeo no Facebook a gabarem-se dos atos, mostrando o cabelo cortado à própria mãe como prova dos atos.
Todos os arguidos estão acusados da prática, em coautoria, de dois crimes de rapto (dos menores), dois de sequestro, dois de roubos, dois de ofensas à integridade física qualificada, dois crimes de ameaça e um crime de dano. Um dos arguidos responde também por detenção arma proibida. Os três irmãos Dias, Luciano, Domingos (filho) e Patrícia e o companheiro desta, Estrela Saavedra, estão em prisão preventiva. O julgamento começou esta quarta-feira no Tribunal de São João Novo, no Porto.