Alteração de crimes "inédita" dá esperança a inspetores condenados por matar Ihor
A defesa dos três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) condenados a nove anos de prisão por, em 2020, terem matado um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa contestou esta quarta-feira, no Supremo Tribunal da Justiça, a alteração jurídica do crime imputado aos arguidos decidida, em dezembro de 2021, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Corpo do artigo
Caso esta ou outra das nulidades invocadas pelos inspetores seja aceite pelos juízes conselheiros, a sua pena pode ser reduzida ou o caso pode até, como admitiram esta quarta-feira os advogados dos arguidos, ser julgado novamente em primeira instância. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça é conhecida a 29 de julho de 2022. Os arguidos têm assistido ao desenrolar do processo em prisão domiciliária.
Duarte Laja, de 49 anos, Luís Silva, de 45, e Bruno Sousa, de 44, foram inicialmente acusados pelo Ministério Público de homicídio qualificado. Em maio de 2021, acabaram condenados pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa por ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado de morte e com base no pressuposto de que, com a sua ação e embora não o quisessem matar, tinham provocado "perigo para a vida" de Ihor Homeniuk.
Sete meses mais tarde, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou este último crime, mas com base noutro entendimento legal: o de que os três inspetores provocaram na vítima não "perigo para a vida" mas sim uma "doença particularmente dolorosa ou permanente".
"Penso que é inédito", desabafou esta quarta-feira, nas suas alegações orais no Supremo Tribunal de Justiça, a advogada de Luís Silva, Maria Manuel Candal, numa posição corroborada pelos mandatários dos restantes arguidos.
Para Ricardo Serrano Vieira, defensor de Duarte Laja, o Tribunal da Relação de Lisboa tinha de ter dado oportunidade à defesa para se pronunciar sobre a alteração jurídica que fez. Em causa, explicou o advogado de Bruno Sousa, Ricardo Sá Fernandes, está o facto de tal implicar "uma nova versão sobre determinados factos".
Autópsia posta em causa
Os mandatários, que alegam que a morte decorreu da síndrome de abstinência alcoólica de que o arguido sofria e não da atuação dos seus clientes, foram ainda unânimes em exigir que seja feita uma perícia ao relatório da autópsia ao corpo de Ihor Homeniuk.
O cadáver foi cremado, mas os advogados insistem que o exame médico-legal foi realizado por um clínico sem qualificações para tal e que o documento que estabelece as causas da morte não cumpriu as regras vigentes.
"Quem decide este caso não é o perito, é o tribunal", sublinhou Ricardo Sá Fernandes.
Os três causídicos criticaram, ainda, o facto de o Tribunal da Relação de Lisboa ter, ao confirmar a pena de nove anos a Duarte Laja e Luís Silva e ao subir de sete para nove a de Bruno Sousa, ter valorizado, na sua versão dos factos, os testemunhos dos seguranças do espaço onde ocorreu a morte, que tinham sido consideradas pouco credíveis pela primeira instância.
Na resposta, o procurador José Góis frisou que o médico que assina a autópsia está "devidamente credenciado" para as fazer, que as lesões sofridas por Ihor Homeniuk só podiam significar um sofrimento atroz e descartou que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha feito uma alteração não substancial dos factos.
O mandatário da família do cidadão ucraniano, José Gaspar Schwalbach, rejeitou igualmente os argumentos da defesa dos arguidos, frisando que ficou demonstrado que vítima tinha 14 costelas partidas, tendo asfixiado lentamente até à morte. Para a Justiça, os três inspetores foram os responsáveis pelas fraturas.
Caso ocorreu há mais de dois anos
O crime aconteceu no Espaço Equiparado de Instalação Temporária do Aeroporto Humberto Delgado (EECIT), em Lisboa, a 12 de março de 2020, dois dias depois de Ihor Homeniuk ter sido barrado pelo SEF ao aterrar em Portugal.
De acordo com os factos dados como provados em tribunal, na madrugada anterior a ter sido alegadamente espancado pelos três inspetores, o cidadão ucraniano foi manietado com fitas adesivas pelos seguranças do EECIT. Após as agressões, terá sido deixado algemado com as mãos atrás das costas, sem que fosse auxiliado por ninguém.
Em maio de 2021, o Tribunal Central Criminal de Lisboa ordenou, por isso, ao condenar Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa, que os vigilantes do turno da noite fossem investigados "pela forma como trataram Ihor Homeniuk" e os de dia "pela forma como nada fizeram para auxiliar um homem em sofrimento".
Determinou, igualmente, que fossem também escrutinados outros inspetores e chefias do SEF que nada fizeram para garantir a assistência e a retirada das algemas após o encontro com os três alegados agressores.
Os inquéritos, dirigidos pelo Ministério Público, estão a decorrer.
