Eram 23 arguidos e alguns viajaram desde o Funchal até Matosinhos para serem sentenciados por tráfico de droga. Dezena e meia de advogados, um procurador, dois funcionários judiciais, pelo menos quatro guardas prisionais, seis polícias e algum público também estavam presentes.
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Tudo parecia pronto para se conhecer o desfecho do julgamento, mas não estava. Isilda Namora, presidente de um coletivo de três juízas, anunciou uma alteração não substancial dos factos da acusação. E deu dez dias aos arguidos para se pronunciarem sobre a alteração, convidando toda a gente a regressar ao Tribunal de Matosinhos para, hoje sim, ouvir a sentença.
Este tipo de adiamentos, às vezes causados por alterações irrisórias numa frase ou num parágrafo entre centenas de páginas, são recorrentes e causarão ao Estado e aos particulares prejuízos que nunca ninguém avaliou mas que serão avultados. Estimem-se só as despesas com as deslocações de 23 arguidos a Matosinhos, os honorários dos advogados e os salários de todos os funcionários públicos ali presentes e chegar-se-á facilmente a vários milhares de euros. E isso era inevitável? As alterações feitas à acusação, após a fase de produção de prova, poderiam ser comunicadas às partes por carta ou via eletrónica, para evitar aquele tipo de despesas e concentrar recursos noutros processos?
“Há um princípio geral de Direito que é a economia processual, em que se diz que não se deve praticar atos inúteis. Agora, aquilo que diz o Código de Processo Penal [CPP] é que isto deve ser tudo feito em julgamento”, responde, ao JN, o presidente da direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Nuno Matos.
“Alteração a ponderar”
Mas o líder sindical recorda que o Conselho Superior da Magistratura criou um grupo de trabalho que defendeu medidas para a “celeridade” da justiça. Este não se propôs alterar em particular os artigos 358.º e 359.º do CPP, referentes às alterações dos factos da acusação, mas defende um aditamento ao artigo 85.º - A, sobre o “Dever de gestão e adequação processual”, que “pode evitar a convocação de tantas pessoas e destes meios logísticos imensos”, comunicando as alterações sem a presença física das partes no tribunal.
A presidente da Direção Regional do Porto do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Maria do Rosário Barbosa, também diz que “podia haver uma alteração da lei”. “A audiência encerra com as alegações finais. Mas, para se comunicar alterações não substanciais, tem de ser reaberta a audiência. Era muito fácil notificar as pessoas e perguntar-lhes se querem prazo ou não. Mas não é isso que decorre da lei. Até seria uma alteração interessante a ponderar”, admite, ao JN, a procuradora.
Por sua vez, o advogado Ricardo Sardo, membro cessante do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, explica que, em muitos casos, não há oposição da defesa às alterações, principalmente quando a alteração é benéfica para o arguido.
Duas redes de tráfico conhecem sentença
Os arguidos que vão ser sentenciados hoje em Matosinhos são acusados de se ter dedicado à compra e venda de cocaína, heroína e haxixe, o que fizeram junto de universo superior a uma centena de clientes, nas zonas da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde e, ainda, na Região Autónoma da Madeira (Funchal), onde um dos arguidos, líder de uma das redes, tinha residência. Os suspeitos atuaram de forma concertada, num único grupo, até 2020. Mas, nesta altura, houve uma divergência e passaram a atuar em grupos paralelos, sob a liderança de dois suspeitos.