Uma amizade de João Rendeiro na África do Sul pôs a Polícia Judiciária (PJ) na rota certa para que o antigo banqueiro tenha acabado detido por agentes da Interpol, sábado de manhã, a pedido de Portugal, num hotel de luxo, nos arredores de Durban.
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O ex-presidente do BPP, em fuga à Justiça nacional há mais de dois meses, foi transferido para uma esquadra daquela cidade costeira e, amanhã, será apresentado a um juiz para aplicação de medidas de coação. João Rendeiro, de 69 anos, arrisca ser extraditado para cumprir cinco anos e oito meses de prisão ou, até, cumprir a pena numa cadeia sul-africana.
"Naturalmente, face ao enorme perigo de fuga, àquilo que é a sua personalidade, àquilo que já disse e àquilo que já evidenciou, iremos reforçar a necessidade de aplicação de uma medida de detenção para que a extradição seja acautelada", sublinhou o diretor nacional da PJ, Luís Neves, numa conferência de imprensa, em Lisboa.
Segundo o dirigente, os investigadores já conheciam o paradeiro do ex-banqueiro antes de a mulher, Maria de Jesus Rendeiro, ter indicado, no mês passado, a África do Sul como o país para onde o marido fugira em setembro (ler texto ao lado). Mas só ontem, adiantou à Lusa o porta-voz do comissário nacional da Polícia sul-africana, foi possível detê-lo.
"Ele já estava sob nossa vigilância, e assim que a necessária documentação chegou, prendemos este indivíduo [...] em Umhlanga Rocks, norte de Durban", precisou Vishnu Naidoo. Eram 7 horas, menos duas em Portugal Continental.
Quase três meses de luxo
A residir na África do Sul desde 18 de setembro, dez dias antes de ter confirmado a fuga, João Rendeiro começou, segundo Luís Neves, por se estabelecer na zona mais cara de Joanesburgo.
"Era o seu local habitual de refúgio, em hotéis de cinco estrelas, mas depois teve outros locais por onde deambulou, no sentido de dificultar e inviabilizar esta detenção", afirmou. Ao mesmo tempo, recorreu a tecnologia "avançada" para não ser localizado.
Há um mês, conseguiu uma autorização de residência e quereria ganhar, com o tempo, "algum estatuto" para travar uma eventual extradição. Nos primeiros tempos, terá ainda tido um apoio pessoal, acrescentou o diretor da PJ.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, foi, de resto, uma amizade do ex-líder do BPP na África do Sul que, a determinada altura, permitiu à PJ direcionar a busca para aquele país, com o trabalho no terreno a ficar a cargo das autoridades locais. Até então, foram várias as hipóteses equacionadas, não estando excluído que João Rendeiro tenha, por exemplo, passado pelo Belize, onde se registou um acesso ao seu blogue, a 28 de setembro, para publicar o texto em que anunciou que não tencionava voltar a Portugal.
Estadia no Catar
Certo é que, entre os quatro dias que passaram entre a viagem de Portugal para o Reino Unido e a entrada em África, o arguido esteve, pelo menos, no Catar, no Médio Oriente. Na altura, ainda não era um foragido, mas violara já o termo de identidade e residência prestado para viajar para Londres.
Apesar de condenado em primeira instância em três processos (ler casos), nenhuma das decisões tinha então transitado em julgado. À data, ainda foi convocado para se apresentar em tribunal a 1 de outubro, para revisão da medida de coação, mas já não compareceu. Ontem, foi surpreendido ao acordar no seu mais recente refúgio.
Outros processos
Falsidade informática: Escondeu prejuízos com outros administradores
Em 2018, João Rendeiro foi condenado pelo Tribunal Criminal de Lisboa com pena suspensa, por ter, com outros administradores, omitido a real situação do BPP até este falir, em 2008. O Ministério Público recorreu e o Tribunal da Relação de Lisboa agravou a pena para cinco anos e oito meses de prisão efetiva. O antigo banqueiro contestou para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Constitucional, mas perdeu sempre. Em outubro deste ano, a condenação transitou em julgado.
Fraude e branqueamento: Desviou 13,6 milhões do BPP para a esfera privada
Em maio deste ano, o ex-presidente do BPP apanhou, em primeira instância, mais dez anos de cadeia por ter, entre 2003 e 2008, desviado do BPP para a sua esfera privada mais de 13,6 milhões. João Rendeiro recorreu e não é expectável que a decisão transite em julgado em breve. Foi neste processo que, em setembro último, foi chamado para comparecer em tribunal, para alteração da medida de coação.
Burla: Antigo cliente investiu 250 mil euros ao engano
A 28 de setembro, dia em que anunciou no seu blogue que não regressaria a Portugal, João Rendeiro foi punido com mais três anos e meio de cadeia num terceiro processo, ainda em fase de recurso. Em causa o facto de ter sido considerado responsável, com outros ex-administradores do BPP, por um ex-cliente do banco ter, em 2008, investido 250 mil euros ao engano.
Perguntas e Respostas
A extradição de João Rendeiro para cumprir pena de prisão em Portugal é imediata?
Não. Amanhã, o ex-presidente do BPP vai ser interrogado apenas para que lhe sejam aplicadas medidas de coação no âmbito do processo de extradição em curso. Poderá ser libertado, mas a expectativa´da PJ é que fique em prisão preventiva. Só depois começam os procedimentos legais propriamente ditos, aos quais João Rendeiro se pode opor e dos quais pode recorrer.
Isso significa que, apesar de ter sido detido, o ex-banqueiro pode escapar à extradição?
Sim. A decisão de extraditar, ou não, João Rendeiro é das autoridades judiciárias sul-africanas, com base em diplomas que definem as relações entre países. No caso de Portugal e da África do Sul, a questão é regulada pela Convenção Europeia de Extradição, o que pode facilitar o procedimento. O pedido terá de partir do Ministério Público e do Ministério da Justiça portugueses.
Daqui a quanto tempo se vai saber, então, se o ex-líder do BPP será extraditado?
É difícil prever. Paulo Saragoça da Matta, advogado e especialista em Direito Penal, explica, ao JN, que tanto pode demorar "uma semana" como vários meses. Afasta, contudo, uma demora de anos, uma vez que em causa está somente uma extradição para cumprimento de uma pena que já transitou em julgado. Seria diferente se o caso estivesse em fase de investigação.
Se a extradição vier a ser recusada, João Rendeiro livra-se de cumprir pena?
Não, necessariamente. Segundo Paulo Saragoça da Matta, Portugal até pode, nesse cenário, pedir que a pena de cinco anos e oito meses já transitada em julgado seja cumprida por João Rendeiro numa prisão sul-africana. Mas, para já, o cenário não é equacionado, publicamente, pelas autoridades portuguesas. "Contrariamente àquilo que algumas notícias foram deixando passar, de que [a extradição] seria impossível [...], o que é certo é que nós estamos perante uma situação de extradição e há mecanismos legais para o fazer", afirmou ontem, em conferência de imprensa, o diretor da PJ, Luís Neves. Até aqui, as relações, neste caso, entre Portugal e África de Sul decorreram, sobretudo, a nível policial, no âmbito de um acordo bilateral.
*com Reis Pinto