Amnistia papal "livra" militares do Exército que não denunciaram violação de mulher
Os militares que receberam os vídeos de um primeiro-cabo do Exército a violar uma jovem e não denunciaram o crime não vão ser punidos disciplinarmente. O Exército diz que, por não terem reportado superiormente tal facto, incorreram numa infração disciplinar, mas que tal encontra-se amnistiada, por ter ocorrido em 2022.
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No sábado, o JN noticiou que, a 12 de março, três juízas do Tribunal da Relação de Coimbra condenaram a sete anos de prisão o militar do Exército Jorge L. por, em 2022, ter violado uma mulher, durante hora e meia, filmado a agressão sexual e partilhado os vídeos num grupo privado de WhatsApp, composto por colegas da tropa, e ainda com um amigo de infância.
Numa resposta escrita enviada a questões colocadas pelo Jornal de Notícias, o Exército começa por referir que "tomou conhecimento do envolvimento de militares no grupo de WhatsApp, em 27 de março de 2025, aquando da receção do acórdão proferido no processo-crime".
A instituição diz que os militares que receberam os vídeos da vítima a ser subjugada, enviados pelo arguido, "terão incorrido na prática de infração disciplinar, por não terem comunicado superiormente esse facto".
"Apurou-se, contudo, que, tendo a infração sido praticada no dia 17 de abril de 2022, a mesma encontra-se amnistiada por força do disposto na Lei n.º38-A/2023, de 2 de agosto", afirma o Exército, referindo-se à lei da amnistia aprovada devido à vinda do Papa a Portugal no âmbito da Jornada Mundial da Juventude.
Na quarta-feira, o JN revelou também que uma das pessoas a quem o arguido Jorge L. teria enviado uma dessas filmagens era um seu superior hierárquico que, à data dos factos, nada fez nessa qualidade para denunciar o crime. Pelo menos, foi isso que testemunhou, sob juramento, no Tribunal da Guarda, onde, inicialmente, o arguido foi condenado, em outubro do ano passado, na pena única de sete anos e seis meses de prisão e no pagamento à vítima de uma compensação de 15 mil euros.
Na nota, o Exército confirma essa informação e acrescenta que o superior hierárquico em causa - que já não está no Exército e é, atualmente, militar da GNR - "também pertencia à categoria de praças e tinha o posto de cabo-adjunto."
No recurso que intentou para o Tribunal da Relação de Coimbra, Jorge L. - que possui, à data, um vínculo contratual sob a forma de regime de contrato - alegava que "em momento algum" das gravações que fizera se via a vítima a dizer para o militar “parar de fazer o que estivesse a fazer, a pedir ajuda, a ser ameaçada ou a ser fisicamente constrangida para realização de ato sexual".
Sustentava também que, aquando das filmagens, sempre salvaguardou a identidade da vítima, "tapando-lhe o rosto e, assim, impedindo a sua identificação por terceiros".
Entendimento diferente tiveram as juízas desembargadoras Alexandra Guiné (relatora), Sara Reis Marques e Sandra Ferreira que consideraram que o que "se pode perceber da visualização e audição das gravações efetuadas pelo arguido - e que, reitere-se, não se reportam às condutas, por inteiro, no seu todo, mas a alguns momentos destas - é a vítima encontrar-se em enorme esforço físico face aos atos infligidos; sem adotar quaisquer comportamentos que minimamente indiciem iniciativa própria; sem emitir quaisquer sons ou outras manifestações que sugiram qualquer colaboração/agrado/excitação e a obedecer/sujeitar-se às ordens que em tom autoritário são dadas pelo arguido."