Transferências para offshores sem escrutínio do Fisco foram denunciadas há cinco anos por Rocha Andrade. Ministério Público tem inquérito em segredo.
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Cinco anos depois de ter sido tornado público que, entre 2011 e 2014, dez mil milhões de euros tinham sido transferidos para paraísos fiscais sem serem tratados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o inquérito então aberto pelo Ministério Público (MP) não tem arguidos constituídos. No total, foram feitas mais de 14 mil transferências, comunicadas pelos bancos à AT, mas que, devido a uma alegada falha informática, não foram analisadas.
"A investigação prossegue, não tendo o inquérito conhecido despacho final", referiu na sexta-feira, ao JN, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República, acrescentando que, até ao momento, não foi constituído qualquer arguido.
O inquérito-crime, que continua em segredo de justiça, foi aberto em agosto de 2017, dois meses depois de uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) ter considerado "extremamente improvável" que a falha informática que originou o "apagão fiscal" tenha sido causada por mão humana.
Na auditoria, que incluiu uma perícia informática feita por equipa do Instituto Superior Técnico, os inspetores concluíram ainda que os "logs" - ou seja, o registo, por norma automático, dos eventos ocorridos no sistema - foram sucessivamente "ignorados e apagados".
Evitar fugas ao Fisco
Desde 2009 que as instituições financeiras estão obrigadas a comunicar à AT as transferências dos seus clientes para offshores e outros regimes fiscais mais favoráveis. O escrutínio visa tornar mais difícil a fuga ao pagamento de impostos.
Só que, entre 2011 e 2014, uma falha informática terá impedido o registo e tratamento daqueles dados, que incluem os titulares de conta, no sistema central do Fisco. O "apagão" foi detetado posteriormente, na sequência de um aumento anormal de 2014 para 2015 do montante saído de território nacional.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais era, à data do "apagão", Paulo Núncio (CDS/PP), que, em 2017, rejeitou qualquer responsabilidade. Já o seu sucessor, o socialista Fernando Rocha Andrade (falecido a 28 de fevereiro), que ordenou a auditoria da IGF, disse então não ter indicação de que tivesse existido uma ordem para que as transferências para offshores não fossem tratadas.
Pormenores
Panamá em destaque
Em 2014, por exemplo, 97,7% das transferências para o Panamá ficaram ocultas, revelou, em 2017, o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade.
Perda não é certa
O recurso a offshores não implica, necessariamente, que os seus titulares não tenham pago os impostos. Mas o controlo tardio dificulta a sua cobrança.