Apanhador de pinhas resisitiu a detenção, MP diz que foi reação "socialmente aceitável"

Procuradora diz que arguido reagiu de "forma socialmente aceitável" e que não deve ser julgado
Foto: Arquivo
Uma procuradora do Ministério Público (MP) do Tribunal de Seia suspendeu provisoriamente um processo contra um homem que injuriou dois militares da GNR, tendo ainda resistido à detenção. O arguido "reagiu de forma socialmente aceitável", lê-se no despacho do MP, a que o JN teve acesso nesta terça-feira.
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O caso remonta a 6 de novembro de 2023. Pelas 12.20 horas, o arguido Paulo F., então com 28 anos e natural de Vila Nova de Tazém, foi intercetado por uma patrulha da GNR quando colhia ilicitamente pinhas de pinheiro-manso, no lugar de Santana, freguesia de Pinhanços, em Seia.
"O que vocês querem, seus filhos da p***?", disse-lhes o suspeito. Na sequência, agarrou o militar Miguel O. pelo casaco, com a alegada intenção de o agredir. Nessa altura, o guarda tentou imobilizar e algemar o homem, mas caíram ambos ao chão. O guarda ficou ferido num dedo da mão e com dores na região torácica, tendo ficado alguns meses de baixa médica.
No despacho, em que concluiu que não há crime de resistência e coação sobre funcionário, a procuradora Fernanda Marques começa por dizer que a oposição manifestada pelo arguido à imobilização "mostra-se consentânea com a reação que se pode esperar da generalidade dos cidadãos ao sentirem-se privados da sua liberdade".
Além disso, refere a magistrada, "não se extrai dos factos que o arguido tenha exercido uma resistência qualificada pela utilização de violência". "Antes reagiu de forma socialmente aceitável", contrapôs, acrescentando que os militares da GNR, atendendo ao treino e formação, "mostram-se capacitados para resistir à oposição e constrangimento manifestado pelo arguido na sua detenção, tendo conseguido algemá-lo".
Quanto ao eventual crime de ofensa à integridade física simples, a procuradora do Ministério Público considerou que as lesões que o militar sofreu não resultaram de uma "conduta intencional e direcionada do arguido para agredir fisicamente" o guarda.
A magistrada concluiu que o arguido cometeu, sim, dois crimes de injúria agravada. No entanto, por entender que o suspeito deveria ser "poupado ao ritual e aos efeitos estigmatizantes de uma audiência de julgamento", propôs a suspensão provisória do processo pelo período de seis meses, com a condição de o arguido apresentar, "presencialmente", um pedido de desculpas aos dois militares, em diligência a ser designada para o efeito, bem como a prestar 80 horas de trabalho comunitário em entidade a designar e sob supervisão da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Associação "perplexa"
Numa nota em reação ao sucedido, a Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR) diz-se "perplexa" com a decisão do Ministério Público de Seia e acusa o "poder judicial" de "falta de sensibilidade" e de "desvalorizar" as agressões e injúrias quando as vítimas são agentes das forças de segurança. "Questionamos a procuradora em causa que posição teria caso, no exercício de funções, ocorresse consigo uma situação equivalente", referiu.
A associação, presidida por César Nogueira, observa que o aumento da moldura penal deste tipo de crimes "nada resolve". "O que está em causa é um problema estrutural de banalização da violência contra as polícias e que, defendemos, merece uma resposta urgente. A opção por consequências mínimas, quando existem, é desmotivante e, neste caso, por imposição da magistrada, ainda terão que enfrentar o agressor para o ouvirem pedir desculpa, como se tivesse em causa um qualquer mau comportamento de educandos do 1.º ciclo", sublinharam.
No entender da APG/GNR, os profissionais em causa não devem aceitar o pedido de desculpa do arguido, "por se tratar de um crime público" e por estar em causa uma solução "vexatória, desmerecedora do risco que correm e do empenho com que diariamente defendem a segurança pública e legalidade democrática".


