Valor confiscado cresceu 178% em 2021, apesar da diminuição das investigações e de ninguém ter sido detido por este crime. Exemplares chegam por correio, oriundos da China e Turquia.
Corpo do artigo
O número e o valor de notas falsas apreendidas pelas autoridades portuguesas aumentaram em 2021, apesar da diminuição das investigações. O fenómeno explica-se pela crescente chegada a Portugal de grandes quantidades de notas publicitárias (dinheiro falso, assim marcado, mas muito semelhante ao real) por via postal. Nos últimos nove anos, só em 2021 é que não houve detidos por passagem ou falsificação.
Os dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referentes a 2021 mostram que foram apreendidas 12 524 notas contrafeitas, num crescimento de 65% face a 2020. O valor apreendido aumentou ainda mais (178%), de 258 mil para 717 mil euros no mesmo período. Isto significa que as notas de maior valor foram as que registaram maior crescimento. Se há dois anos foram apreendidos apenas 37 exemplares de 500 euros, no ano passado o número subiu para 643 (mais 1600%). Todas as notas, com exceção das de 50 euros, registaram um aumento de apreensões.
Estes dados surgem em contraciclo com a "diminuição do número de inquéritos e investigações" de que o RASI dá conta. A quantidade de crimes de contrafação ou falsificação de moeda e passagem de moeda falsa que foram registados pelas autoridades baixou de 5890 para 3704, no mesmo período.
Fonte oficial da Polícia Judiciária (PJ) desfaz o aparente paradoxo: "Os motivos para a redução do número de investigações, não obstante o número de notas apreendidas ter aumentado, assentam no facto de, no ano de 2021, o número de notas apreendidas e retidas por inquérito ter aumentado consideravelmente".
O RASI dá conta que as "causas diretas" da diminuição das investigações foram "as diferentes fases de confinamento determinadas pela situação pandémica e a consequente diminuição abrupta do turismo" que motivou a chegada de menos estrangeiros ao país.
falsificações têm marcas
Cada inquérito representa agora mais notas confiscadas porque em 2021 "foram detetadas dezenas de encomendas postais, oriundas de países como a China e a Turquia, contendo no seu interior centenas de notas, habitualmente designadas como "movie money", "prop copy" ou "turcas"", refere a PJ.
Estes exemplares são fabricados para servir de adereço e contêm a indicação explícita de que são falsos. No entanto, como estas notas são muito parecidas com as reais e têm as mesmas dimensões, "são aceites como verdadeiras, causando prejuízo económico aos destinatários", lê-se no RASI. A PJ ressalva que grande parte das notas publicitárias "foram detetadas aquando da respetiva importação", ou seja, "não chegaram a entrar na posse do seu destinatário e, consequentemente, em circulação".
Dada a dificuldade em rastrear a origem da contrafação, que muitas vezes se situa em jurisdições inalcançáveis para as autoridades, o número de arguidos e detidos está em valores residuais. Nos últimos nove anos, só em 2021 é que não houve qualquer detenção pelos crimes de falsificação ou passagem. O número de arguidos foi de apenas dois, à semelhança de 2020, como demonstram os RASI da última década.
No ano passado, o número de notas destruídas pelo Banco de Portugal foi de 10 836, menos do que as apreendidas, dado que entre a apreensão e a destruição decorre o processo judicial correspondente. Este número é menor do que as 12 028 notas destruídas em 2020.
EM 2021
Impressos 2 mil milhões de euros
O Banco de Portugal imprimiu, no ano passado, cerca de dois mil milhões de euros em notas legais. Todas são de cinco ou 20 euros e foram impressas na fábrica Valora, detida a 100% pelo banco central nacional. Portugal é um dos produtores de notas do Eurosistema com contrato até 2026.
Cem exemplares de 500 à venda por 15 euros
Não faltam sites com falsificações à venda na Internet, mas encomendar é ilegal, avisa a PJ.
Não é preciso procurar muito nem aceder ao submundo da "darkweb" para encontrar dezenas de sites da Internet que disponibilizam grandes quantidades de notas falsas a preços baixos. O JN encontrou notas de euro de vários valores em sites legalizados como o AliExpress, Bonanza ou Fruugo, onde conjuntos de milhares de euros em notas publicitárias estão disponíveis por valores que rondam os 15 euros. No entanto, este negócio da China é crime e pode levar à prisão.
Chamam-lhes "acessórios de moda", "acessórios para boates" ou "utensílios de decoração". Com maior ou menor criatividade na descrição, todas as notas à venda na Internet estão identificadas como falsas através de inscrições como "movie money", "prop money" ou "prop copy". No entanto, servem para enganar os mais incautos.
No Fruugo, cem notas de 500 euros estão à venda por 14,95 euros. No AliExpress, um dos anúncios promete cem notas de 20 euros por apenas seis euros. No Bonanza, cinco notas de cem euros são disponibilizadas por 9,72 euros. A crescente disponibilidade deste tipo de notas, aliada à sua chegada a portais que apostam em publicidade agressiva noutros sites e redes sociais, está a contribuir para o aumento do número de apreensões.
O fenómeno não chegou à Europa este ano, embora se tenha intensificado em Portugal. Há cerca de um ano, o Bundesbank (banco central alemão) já alertava para os riscos das notas que, embora "sejam de fácil identificação, estão a infiltrar-se nos sistemas de pagamentos comerciais".
É crime de contrafação
A preocupação dos bancos centrais de vários países é acompanhada pela atenção das autoridades. É que apesar do embrulho de aparente legalidade com que estas notas são vendidas em sites de roupa, acessórios e outros produtos, as autoridades avisam que a sua importação é crime e pode resultar numa pena de prisão.
"De acordo com as diretivas do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, estas notas são registadas como contrafação e têm inclusive um indicativo de classe comum atribuído pelo Banco Central Europeu", informou a PJ. Este tipo de contrafação está ainda "registada no CMS - Sistema de Monitorização de Contrafações", o organismo europeu, refere a PJ.
Assim, a sua importação corresponde ao crime de contrafação de moeda falsa, cuja moldura penal vai de três a 12 anos de prisão, e a tentativa é punível. A passagem de nota falsa sem relação com o fabricante é punida com prisão até um ano ou multa até 240 dias.