Só este ano e até julho, já foram apreendidas 455 armas a suspeitos de violência doméstica e todos os dias as autoridades continuam a encontrar verdadeiros arsenais quando são chamadas a socorrer vítimas.
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Mais de metade (289) eram armas de fogo e as restantes facas, aerossóis ou bastões. Um número não contabilizado destas armas confiscadas preventivamente pela GNR e pela PSP foi devolvido aos proprietários, após ordem judicial, e algumas acabaram por ser utilizadas para voltar a ameaçar ou atacar o cônjuge, pelo menos num dos casos mortalmente (ver texto na página seguinte).
Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), defende, por isso, uma alteração na lei que obrigue o agressor a sujeitar-se a um exame médico para que a arma lhe seja restituída. Elisabete Brasil, da UMAR-União de Mulheres Alternativa e Resposta, vai mais longe e pede que a qualquer condenado por violência doméstica seja proibido o acesso a licença de uso e porte de arma. Alterações legislativas que o Ministério da Administração Interna não irá levar avante na revisão em curso do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.
Os números fornecidos pela PSP - que não tem dados deste ano disponíveis - revelam que, em 2016 e 2017, 15 e nove armas, respetivamente, foram apreendidas, após terem sido utilizadas de facto em ataques. Na área de intervenção da GNR a situação é ainda mais dramática, uma vez que, já este ano, os militares apreenderam 41 armas (15 de fogo e 26 brancas) usadas para concretizar agressões.
Esta estatística já se encontra desatualizada, por defeito, como provam os sucessivos comunicados das forças policiais que, quase todos os dias, dão conta de mais armas apreendidas a suspeitos da prática do crime de violência doméstica. "Aquilo que nos têm indicado, e aquilo que são os nossos registos, é que na maioria das situações de violência doméstica são usadas armas brancas. Este tipo de arma tem crescido inclusivamente nas tentativas de homicídio registadas", refere Daniel Cotrim.
Mais armas brancas mortais
A perceção do responsável da APAV é confirmada pelos dados da UMAR, entidade que, no ano transato, constatou que 14 das 20 mulheres assassinadas foram atacadas com uma arma branca, enquanto três foram atingidas a tiro. "Foi a primeira vez que o número de mulheres mortas com armas brancas foi superior ao número de casos em que foi usada arma de fogo", sustenta Elisabete Brasil.
Mesmo assim, a diretora executiva da área da violência da UMAR defende mais restrições no acesso a armas de fogo por parte de condenados por violência doméstica. "Estes indivíduos são capazes de usar armas mesmo depois de condenados. Vão repetir comportamentos agressivos e de controlo noutras relações e, portanto, não deviam ter acesso a elas", frisa. "Quando se devolve uma arma a um agressor passa-se uma mensagem subliminar e aquele sente que foi ilibado do crime que cometeu. E há o risco agravado de voltar a usar a arma", complementa Daniel Cotrim.
Muitas armas nas casas
Fonte ligada a um gabinete de apoio à vítima de violência doméstica, que respondeu a 15 mil ocorrências nos últimos cinco anos, confirma que "existem muitas armas guardadas em casa, muitas ilegais", cenário em que "Portugal segue a tendência de outros países". "É uma situação preocupante, mas também há a vontade das autoridades, incluindo as judiciais, de retirar as armas das habitações das vítimas", refere a fonte.
16 mulheres assassinadas em seis meses
Dezasseis mulheres foram assassinadas na primeira metade deste ano às mãos dos companheiros. Mais quatro do que no mesmo período de 2017. O balanço feito pela UMAR dá conta de que, por causa destes crimes, pelo menos 14 crianças ficaram órfãs de mãe e muitas delas também perderam o pai, que se suicidou ou foi preso. O relatório destaca ainda o facto de as mortes terem acontecido em "contextos de violência" já conhecidos de familiares, amigos e autoridades.