Arquivado inquérito a fogo em jipe de oficial da PSP que fez investigações sensíveis
A Polícia Judiciária (PJ) não conseguiu identificar quem ateou fogo ao jipe do comissário da PSP Dennis da Cruz, em 25 de fevereiro de 2023, numa freguesia na Póvoa de Varzim, poucos meses após ter desmantelado uma rede de tráfico de droga, que vai conhecer, esta segunda-feira, sentença do Tribunal de Matosinhos.
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Na investigação ao incêndio, foram ouvidas 24 pessoas e até um agente da PSP chegou a ser constituído arguido e posto sob escuta, mas nada de relevante se apurou. O oficial, que tem conduzido alguns casos mediáticos, como a Operação Pretoriano, ficou com proteção pessoal. Mas o inquérito acabou arquivado.
Na altura, a PJ deslocou-se ao local e concluiu que o incêndio começou de madrugada fora do veículo, que estava estacionado junto da sua residência, e admitiu que tivesse sido usado acelerante de combustão, até porque não havia qualquer indício de acidente elétrico. Mas o estado de carbonização da viatura não permitiu a recolha de grandes vestígios.
Intencional, disse Dennis Cruz
Aos inspetores, o então oficial da Divisão de Investigação Criminal do Porto (entretanto promovido a subintendente) disse que não tinha dúvidas de que foi um ato intencional, suspeitando que o seu autor pudesse estar ligado à rede de tráfico que desmantelara meses antes, na Póvoa de Varzim e em Vila do Conde, e com ligações ao Funchal.
O comissário chegou a indicar um agente da PSP como suspeito de estar relacionado com o fogo. Era um polícia da 8.ª Esquadra de Investigação Criminal (que comandava, em Vila do Conde) e tinha sido afastado daquela investigação sobre tráfico, por suspeitas de fuga de informação, e que, segundo disse, já teria proferido palavras de conteúdo intimidatório em relação a si, em grupos do Whatsapp e a outros colegas da PSP. O agente foi constituído arguido, mas, quando inquirido, negou a prática dos factos. Foi também alvo de escutas telefónicas, infrutíferas.
A PJ chegou também a pedir às operadoras de telecomunicações os telefones que passaram e se registaram nas antenas existentes no local, mas nada se apurou. No total, no âmbito deste inquérito, foram ainda inquiridas mais 23 pessoas, que não deram contributos relevantes para a investigação. Entre essas estava o dono de uma discoteca e um empresário da restauração, ambos arguidos no processo de tráfico de droga.
No despacho de arquivamento ao caso, a que o JN teve acesso, o procurador da República Nuno Serdoura refere que as suspeitas do comissário sobre o agente da PSP "não foram confirmadas pela investigação".
"Na verdade, seria até mais fácil supor que a autoria do incêndio, porque coincidente com a investigação efetuada referente ao crime de tráfico de estupefacientes, poderia ser atribuída a um daqueles visados, o que, todavia, nunca foi indicado em concreto por nenhuma das testemunhas inquiridas, sendo que algumas admitiram até que o incêndio tivesse sido justamente um ato de vingança pela investigação", referiu.
O magistrado foi mais além e diz que o incêndio pode até ter sido da autoria de terceiro "que mantém uma inimizade com Dennis da Cruz por força da sua atuação como órgão de polícia criminal numa qualquer outra situação."
Fugas de informação
O Ministério Público suspeitou que polícias e oficiais de justiça informaram os membros da rede de tráfico de droga de que eram investigados e iriam ser alvo de buscas. Segundo a acusação, a "fuga de informação" fez com que alguns dos 23 arguidos combinassem "uma nova estratégia para a atividade da rede, para o estabelecimento de contactos entre si", e alterassem "os locais de recuo do estupefaciente" para moradas até então desconhecidas dos investigadores da PSP.
GPS ilegais
O comissário da PSP Dennis da Cruz foi investigado por suspeitas de ter mandado instalar, sem autorização judicial, dispositivos de localização GPS em, pelo menos, seis automóveis de suspeitos de tráfico de droga. Tal como o JN revelou, o inquérito sobre eventuais crimes de abuso de poder foi instaurado em 2023 e arquivado no ano passado, porque o procurador do Ministério Público - o mesmo que conduziu a investigação ao fogo do jipe - entendeu que o então oficial da Divisão de Investigação Criminal, estando “desperto” para a investigação, teria já eliminado eventuais provas e, portanto, não valeria a pena tentar recolhê-las.