Erro de diagnóstico no antigo Hospital de São Marcos levou a amputação dos membros. Processo chega ao fim 17 anos depois.
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A Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte vai ter de pagar 150 mil euros, mais juros, a um utente do antigo Hospital de São Marcos, de Braga, que ficou sem as duas pernas, devido a erros de diagnóstico e à falta de equipamentos e de recursos humanos. O processo chega ao fim 17 anos depois dos factos, que se reportam a 2005.
A decisão do Supremo Tribunal Administrativo, que acaba de transitar em julgado, dá uma nega à ARS do Norte, que tinha feito um pedido de revista da sentença do Tribunal Central Administrativo do Norte (2.ª instância), o qual, por sua vez, havia confirmado a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (1.ª instância).
O processo também envolvia os três médicos que atenderam o paciente, mas o STA entendeu que eles não agiram com negligência: "Não está em causa um erro médico, mas, antes e principalmente, uma indesculpável omissão de recurso a meios complementares de diagnóstico que poderiam ter evitado ou melhorado a situação, impedindo uma manifesta violação das regras de ordem técnica e de cuidado".
Aneurisma não diagnosticado
Em 2005, Alfredo Martins Ferreira, hoje com 54 anos, foi cinco vezes ao hospital com queixas de fortes dores nas pernas, que se tornaram lancinantes e não passavam mesmo após a injeção de analgésicos. Porque os médicos apontavam para problemas musculares, quando o paciente sofria de aneurisma da aorta abdominal.
"As observações de médicos de diferentes especialidades, sem que tivessem acesso aos registos clínicos que antecederam, não foram acompanhados por meios complementares de diagnóstico, por forma a confirmar ou infirmar a observação direta, nem o paciente foi encaminhado para observação para cirurgia vascular", censurou o tribunal.
Este acentuou que "não resulta dos autos que o hospital tivesse disponibilidade de realizar os exames complementares que deveriam ser realizados, desde logo em face da suspeita de rotura muscular".
A decisão judicial sustenta assim que "houve violação das "legis artis" na opção por não realizar qualquer exame complementar que permitisse aquilatar, por um lado, da assertividade dos sucessivos diagnósticos que se mostraram errados, e por outro, para detetar atempadamente as causas da sintomatologia apresentada".
Impunha-se cirurgia vascular
"O doente viu-se privado das melhores e mais recomendáveis práticas médicas (...) em face do agravamento dos seus sintomas nas sucessivas deslocações ao serviço de urgência".
O tribunal conclui que, se o doente tivesse sido encaminhado para a especialidade de cirurgia vascular, podia ter evitado os "efeitos devastadores que resultam da amputação da totalidade dos membros inferiores".
Recurso
Médicos sem punição
No seu recurso, a ARS do Norte apontou uma suposta contradição da sentença, por esta ter constatado "a má atuação e negligência grosseira dos médicos" e ter punido apenas o mau funcionamento do hospital.
Hospital sem rede informática
Para a ARS, o tribunal não esteve bem ao dizer que houve um "anormal funcionamento do serviço hospitalar", quando, em 2005, "o hospital não dispunha de ligação informática em rede, nem de profissionais de todas as especialidades ou de modernos meios complementares de diagnóstico".