PSP registou no ano passado um total de 9008 situações envolvendo menores e GNR conta 905. Linha SOS Criança também tem relatos e aponta dedo a problemas no convívio familiar.
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O número de denúncias de violência contra as crianças aumentou nos últimos dois anos, sendo que 2021 é o que revela um maior acréscimo nas queixas relativamente a crimes perpetrados envolvendo menores até 16 anos.
Segundo dados fornecidos ao JN pela PSP, no ano passado foram denunciados 9008 casos de violência envolvendo crianças, incluindo violência doméstica, ofensas à integridade física voluntária grave e simples, maus-tratos, ameaça e coação, difamação, calúnia e injúria. Em 2020 tinham sido 7804, o que significa que houve mais 1204 denúncias. Este ano (até 25 de maio), foram denunciados 4244 casos. O número de crianças retiradas à família na área da PSP passou de 166 em 2019 para 207 em 2020.
Por seu turno, a GNR registou 905 denúncias em 2021, quando em 2020 tinha recebido 604 (mais 301 casos). Este ano, já foram denunciadas 367 situações de violência com menores.
Com a questão da eliminação dos castigos corporais na ordem do dia (ler abaixo), o JN ouviu duas personalidades envolvidas na causa a nível nacional, Dulce Rocha, presidente da Direção do Instituto de Apoio à Criança (IAC) e a juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) Clara Sottomayor, que divergem na leitura que fazem do crescimento de casos.
Pais menos tolerantes
"A nossa observação empírica também vai nesse sentido. Recebemos muitos apelos. Mesmo o próprio SOS Criança teve um aumento de denúncias", declarou Dulce Rocha, associando esse fenómeno aos efeitos da pandemia. "As pessoas ficaram mais ansiosas, menos tolerantes e as crianças ficaram mais expostas à violência", referiu, considerando que tal pode ter resultado de situações como "partilhar um espaço às vezes exíguo, com muita gente, e de teletrabalho com crianças a fazer barulho".
"Esta situação de não partilhar a educação, porque as pessoas estavam habituadas a que a criança fosse para o infantário ou para escola, principalmente nas mais pequeninas, teve uma repercussão a nível da violência", resumiu.
Segundo aquela responsável, o próprio IAC teve, nesse período, "indiscutivelmente, um aumento de denúncias". Recebeu relatos de "sovas, de tareias, de chapadas no meio da rua, porque parece que as pessoas ficaram desinibidas relativamente a isso e aquela contenção que revelavam antes deixaram de a ter", embora admita que na maioria dos casos se trate de uma violência que "não deixa marcas".
Para a juíza Clara Sottomayor - com amplo currículo em processos com menores, investigação na área e que na sua atividade cívica colabora com associações de direitos das mulheres e das crianças -, um maior número de denúncias significa "maior consciência social".
"Não quer dizer que tenham aumentado os maus-tratos às crianças, é a minha tese. Acho é que são mais visíveis, as pessoas estão mais sensíveis a isso", considerou a magistrada, reforçando que "o aumento dos números é sempre relativo. Depende da importância que se dá à violência e das denúncias da própria comunidade". "É natural que pelo facto de as pessoas estarem muito tempo juntas, haja mais tensões e mais violência, mas podia ficar tudo no espaço privado. Não fica porque a sociedade está mais atenta e denuncia", diz.
Acabar com castigos corporais
O Instituto de Apoio à Criança (IAC) avançou este ano com uma campanha nacional contra as chamadas "palmadas pedagógicas". A ideia do "Nem mais uma palmada" - que visa combater a violência contra as crianças, com particular foco nos castigos corporais - surgiu no início de 2021, em parte impulsionada pelo aumento do número de casos reportados.
"Não fizemos a campanha porque nos apeteceu. Fomos um bocado empurrados pela sociedade civil", afirmou Dulce Rocha, considerando que, face à perceção de que a violência parental pode estar a aumentar, a iniciativa "veio no momento ideal".
Na quarta-feira dia 1 de junho, na Fundação Champalimaud, decorrerá um encontro sobre o mesmo mote. A iniciativa juntará várias personalidades em torno do tema dos castigos corporais e servirá para apresentar a estratégia nacional da campanha "Nem mais uma palmada".