Autarca do Chega disparou caçadeira contra família estrangeira por ódio racial
O vogal de Freguesia de Moura fez comentários xenófobos em discussão com homem natural do Curdistão, que tem nacionalidade sueca e passava pelo Alentejo com a mulher e sete filhos.
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Vítor Ramalho, autarca do Chega na Assembleia de Freguesia da Póvoa de São Miguel, no concelho alentejano de Moura, distrito de Beja, foi detido pela Polícia Judiciária (PJ) depois de efetuar disparos de caçadeira contra uma família sueca. As vítimas são um casal - o homem oriundo do Curdistão e a mulher sueca - e sete filhos menores. Em comunicado, a PJ afirmou, ontem, que a motivação do suspeito foi "aparentemente determinada por ódio racial".
Vítor Ramalho, recém-eleito vogal de Assembleia de Freguesia para o mandato 2021-25, é suspeito de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, mas não foi presente a um juiz de instrução. Porque o Ministério Público de Moura não promoveu outras medidas de coação para além do termo de identidade e residência. Por aquela razão, ainda, o arguido foi imediatamente libertado.
Por outro lado, as autoridades também não apreenderam nenhuma das mais de dez armas de fogo que Vítor Ramalho tem registadas em seu nome. O arguido continua na posse, inclusivamente, da espingarda caçadeira que usou para cometer o crime.
Discussão por estacionamento
Os factos ocorreram a 8 deste mês. Segundo apurou o JN junto de fonte ligada ao processo, Vítor Ramalho discutiu com o homem natural do Curdistão (território situado entre a Turquia e o Irão) por ele ter estacionado uma viatura junto ao supermercado que a mulher do autarca explora na Póvoa de São Miguel. A família estrangeira estava de passagem pela aldeia, numa carrinha adaptada a autocaravana. Vítor Ramalho acusou o homem de ter o veículo mal estacionado e terá proferido comentários xenófobos, relacionados com imigração e subsídios governamentais.
O casal e os filhos acabaram por abandonar o local em direção a um terreno ermo, onde tinham deixado um atrelado e outros pertences, mas o autarca perseguiu-os numa viatura. Ali chegados, Ramalho efetuou disparos de caçadeira contra a autocaravana, que sofreu, pelo menos, dois impactos.
Após os disparos, explica a Diretoria do Sul da PJ, o suspeito "abandonou o local", esforçando-se por "ocultar das autoridades objetos e veículos utilizados na execução" do crime.
A vítima fez queixa e a investigação foi entregue à PJ, que conseguiu recolher "relevantes elementos probatórios que conduziram à cabal identificação do suspeito e ditaram a emissão de mandados de detenção fora de flagrante delito".
Entre os elementos de prova estão imagens de videovigilância que captaram a perseguição à autocaravana, apurou o JN. Vítor Ramalho acabou por ser detido esta quinta-feira e foi presente ao MP no dia seguinte. Ontem, a PJ indicou que existem "fortes indícios" da prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada.
Reação
Ventura diz que se opõe a "crimes contra vida humana"
O líder do Chega reagiu ontem à detenção de Vítor Ramalho. Em vídeo enviado ao JN, André Ventura quis "deixar claro" que o partido é "completamente contra quaisquer crimes que envolvam atentados contra a vida humana". "Nada nos move contra as minorias", acrescentou, concluindo: "O que o Chega defende é que as minorias têm de cumprir as mesmas regras, e não têm cumprido, face à maioria".
Saiba mais
Número 3 da lista
Nas eleições autárquicas, Vítor Ramalho integrou a lista do Chega à Junta de Freguesia de Póvoa de São Miguel. O partido conquistou dois mandatos. O autarca tomou posse como vogal.
Mais que Marcelo
Nas eleições presidenciais, André Ventura teve a sua maior votação na aldeia de Póvoa de São Miguel. Cerca de metade dos 612 eleitores (47,8%) votaram nele, deixando-o à frente de Marcelo Rebelo de Sousa.
Advogada é do Chega
A advogada que defende Vítor Ramalho é Cristina Costa, cabeça de lista pelo Chega à Junta de Freguesia de Póvoa de São Miguel e eleita vogal. É presidente da Delegação da Ordem dos Advogados de Moura desde 2014.