Perícia concluiu que a qualidade da água era melhor após a fuga de 25 toneladas de fuelóleo de navio.
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O Ministério Público (MP) acaba de acusar de falsidade pericial o coordenador do Laboratório de Ciências do Mar da Universidade de Évora (CIEMAR/UE), João Castro, pelo seu relatório de avaliação ao impacte ambiental do derrame, em 2016, de 25 toneladas de fuelóleo no porto de Sines. A avaliação, pedida pelo MP no inquérito sobre um crime de poluição, concluiu que a água estava mais limpa do que antes do derrame e levou o Tribunal de Setúbal a afastar a existência de danos ambientais e a absolver, em abril último, os responsáveis do navio poluidor, MSC Patrícia.
João Castro, também biólogo e professor auxiliar na UE, é acusado de "obstar à efetiva administração e realização da Justiça". Na acusação, deduzida em abril, critica a forma "errada" como as amostras de água foram recolhidas na zona afetada, por baixo da mancha de fuelóleo. Precisa que as amostras foram colhidas entre um palmo e 50 centímetros da linha de água e, na área crítica no porto de Sines, com um balde e fora da zona poluída, por um funcionário portuário e não por elemento do CIEMAR.
"A forma correta de efetuar a colheita passa pela utilização de uma manta absorvente ou pela colocação de um recipiente em posição perto da horizontal, de modo que a película superficial do hidrocarboneto entre para o recipiente", explica o MP.
Para o MP, o arguido, "ao estranhar os resultados das análises efetuadas às amostras de água, não pôde ter deixado de representar a possibilidade de tal perícia se encontrar desconforme com a realidade dos factos, o notório cenário de poluição ou a falta de fidedignidade da amostragem na zona crítica". "Não obstante, conformou-se o arguido com tal possibilidade, validando os resultados e conclusões da perícia e apresentando-a no processo judicial, obstando assim à efetiva administração e realização da Justiça", acusa.
Perante os resultados que apontavam para uma concentração de hidrocarbonetos inferior ao limite legal, 130 microgramas por litro, e para a ausência de um impacte significativo no ambiente pelo derrame, o procurador do MP que investigou o crime de poluição chegou a pedir uma nova análise ao Instituto Hidrográfico de Lisboa (IHL), que foi realizada quatro meses depois da ocorrência e reportou 120 miligramas de hidrocarbonetos por litro. Porém, este relatório não apresentava conclusões e, no julgamento da poluição, o Tribunal de Setúbal validou o do CIEMAR.
Este defendia que devia ter sido realizado um estudo no fundo do mar e em mexilhões, que filtram a poluição, mas tal não foi feito.
Corrupção arquivada
No inquérito da falsidade pericial, o MP também investigou responsáveis do CIEMAR e da Administração do Porto de Sines (APS) pela eventual prática de corrupção para beneficiar a empresa de transporte marítimo MSC, que explora o navio poluidor e é a principal operadora em Sines. Pagamentos, escutas e a cedência de um terreno pela APS ao CIEMAR para a construção de uma nova sede foram objeto de análise, mas, por falta de provas, esta parte do inquérito seria arquivada.
Não há provas de ter havido um favor
O Ministério Público (MP) também investigou a eventual prática de crime de favorecimento, em benefício da MSC, por um funcionário responsável pelo terminal onde se deu o derrame, que teria impedido os biólogos do CIEMAR de colher amostras de água na zona afetada. As suspeitas também recaíam sobre biólogos do CIEMAR.
Para o MP, foi "estranha a decisão de impedir a entrada no Terminal XXI dos próprios técnicos do CIEMAR": Porém, "nada se apurou quanto ao real propósito de tal decisão, subsistindo assim uma simples suspeita de eventual proteção do armador mais importante do porto de Sines, a qual todavia não foi depois reforçada e concretizada por outros meios de prova", concluiu.
Um funcionário que recolheu amostras com um balde indicou ao MP que uma bióloga do CIEMAR lhe pediu para evitar as manchas de poluição, mas esta negou ter dado tal indicação, pelo que este caso também foi arquivado.
Porto de Sines defende laboratório
A Administração do Porto de Sines defende que "a recolha de água para este tipo de estudo deve fazer-se, necessariamente, fora dos locais onde existe produto em suspensão superficial. À superfície, permite identificar o produto derramado, mas nada significa relativamente ao nível de dissolução natural e aos efeitos desse produto sobre os organismos vivos e à duração desses efeitos".
Universidade mantém docente
A Universidade de Évora também defende a metodologia do CIEMAR. Sobre o futuro do arguido na instituição, diz que "o docente beneficia da presunção de inocência e não lhe foi aplicada qualquer medida de coação que o iniba de funções".