Os bloggers anónimos visados pelo Benfica em queixas contra a Google e a Wordpress estão preocupados com possíveis represálias, caso as suas identidades se tornem públicas.
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Nomes dos utilizadores, emails, dados de contas bancárias e palavras-passe de acesso aos blogues. Estes são apenas alguns dos dados que a justiça norte-americana exigiu, numa intimação feita no passado dia 14, a estas duas empresas, na sequência de uma ação cível que o Benfica apresentou em abril. Além da Google e da Wordpress, a queixa do Benfica visou também a Cloudfare, Inc.
O JN sabe que, durante o mês de setembro, os blogues "O Artista do Dia", "Mister do Café", "Mercado do Benfica" e "O Arquivo Secreto da Liga" foram informados, via email, pela Google e pela Wordpress, daquelas exigências da justiça norte-americana. As duas gigantes tecnológicas têm até ao próximo dia 26 para prestar a informação solicitada pelo Tribunal da Califórnia.
Preocupação
Contactado pelo JN, o responsável pelo blogue "Mister do Café" disse estar "com receio pela perda do anonimato" e com as "consequências que pode ter por parte dos grupos organizados de sócios do Benfica".
Já ontem, em entrevista ao jornal "The New York Times", o blogger "Artista do Dia" disse estar preocupado com a possibilidade de o Benfica ter acesso aos seus dados pessoais. "Eles podem chegar ao meu trabalho. Não sei o que pode acontecer", confessou.
Questionado sobre a atividade do blogue, o "Mister do Café" - que não quis ser identificado por questões de segurança - disse estar tranquilo. "Todos os documentos analisados no meu blogue são do domínio público", explicou.
Os visados tinham até ao passado dia 8 para responder à intimação. O blogger do "Mister do Café" explicou que foram feitos "contactos com advogados do estado da Califórnia", mas os custos associados "são incomportáveis". "Estamos a falar de milhares de euros", referiu ao JN.
Emails na base da queixa
Na nota enviada à Google, que detém o serviço Blogspot, onde estão alojados os blogues "Mister do Café" e o "O Artista do Dia", são mencionadas 14 publicações.
Já na intimação feita à Automattic Inc., responsável pela Wordpress, plataforma usada pelo "Mercado do Benfica", são identificadas todas as publicações feitas desde o dia 1 de janeiro de 2016.
Apesar de a ação civil do Benfica ter sido apresentada num tribunal dos Estados Unidos, o JN sabe que poderá não ficar limitada a esse país, porque a lei europeia tem outros meios de proteção de dados e o clube da Luz está a ponderar entrar com outras ações na Europa.
Perguntas e respostas
O que é o caso dos emails e quando começou?
O F. C. Porto, através do diretor de Comunicação, denunciou a 6 de junho do ano passado, no Porto Canal, um alegado esquema de corrupção na arbitragem para beneficiar o Benfica. Francisco J. Marques referiu o envolvimento de Luís Filipe Vieira, o "primeiro-ministro" nos e-mails, enquanto os árbitros são "padres". O diretor de comunicação garantiu basear as suas afirmações num acervo de comunicação eletrónica do clube da Luz, ao qual teve acesso alegadamente através de uma fonte anónima.
Qual foi a reação do Benfica? O que aconteceu?
No dia seguinte ao primeiro programa do Porto Canal sobre o caso dos e-mails, o Benfica anunciou processos contra Francisco J. Marques, F. C. Porto e Porto Canal. Entretanto, o Ministério Público abriu um inquérito na sequência de uma denúncia anónima, relativa a uma suposta troca de emails entre Pedro Guerra e o antigo árbitro Adão Mendes e que, segundo o F. C. Porto, provam um esquema para beneficiar o Benfica. Tanto a queixa do Benfica contra Marques como o do alegado esquema de corrupção estão sob investigação.
O que foi feito pela PJ e Ministério Público?
Depois de o F. C. Porto entregar o acervo de correio eletrónico a que teve acesso, à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, sobre o alegado esquema de corrupção, a informação foi analisada e os inspetores pediram a um juiz de instrução criminal a realização de buscas e interceções telefónicas. As diligências foram recusadas por se considerar que as suspeitas baseavam-se numa prova ilegal, porque os emails tinham sido alegadamente desviados dos servidores do Benfica.
Realizaram-se buscas? Há arguidos no caso?
A 19 de outubro do ano passado, depois do primeiro "revés", o MP e a PJ conseguiram obter os mandados judiciais que lhes permitiram realizar buscas no Estádio da Luz, nas residências do presidente Luís Filipe Vieira, do assessor jurídico Paulo Gonçalves, do ex-árbitro Adão Mendes e do comentador afeto ao Benfica Pedro Guerra. Na altura, o MP explicou que os factos se situavam no ano de 2014 e que os crimes em investigação eram de "corrupção ativa na atividade desportiva". Para já, apenas Paulo Gonçalves é arguido.
Como os emails foram tornados públicos?
A PJ suspeita que por de trás do "roubo" dos emails do Benfica esteja Rui Pinto, um jovem pirata da Internet, natural de Vila Nova de Gaia e atualmente em parte incerta. Também terá sido ele que conseguiu, há alguns anos, libertar a informação de contratos de craques da bola, através do Football Leaks. Os emails do clube da Luz têm vindo a ser divulgados, por partes, no sítio "Mercado do Benfica". A informação tem vindo a ser editada e partilhada por blogues e fóruns da Internet, afetos ao Sporting e F. C. Porto.