Bombeiro recorda dia trágico: "Acordo com os estoiros e os meus colegas a caírem para o lado"

Abrantes mostra as cicatrizes, após quatro cirurgias
Artur Machado / Global Imagens
Chefe dos bombeiros revive episódio em que foi recebido a tiros e com explosivos.
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Luís Abrantes, chefe dos Bombeiros de Canas de Senhorim, em Nelas, não esquece o dia 16 de fevereiro deste ano, quando ele e outros operacionais da corporação foram recebidos com tiros e explosões, ao iniciarem o combate a um incêndio numa antiga serralharia na aldeia de Vale de Madeiros, a cerca de três quilómetros do quartel.
O bombeiro, de 58 anos, foi atingido a tiro de caçadeira na zona do abdómen. Considerado o ferido mais grave entre as seis vítimas baleadas, esteve um mês em coma nos cuidados intensivos do Hospital de Viseu a lutar pela vida. Foi submetido a quatro intervenções cirúrgicas. Teve alta há uma semana, em 27 de maio, três meses depois de ter dado entrada no hospital e ainda está a recuperar. Anda de muletas, andarilho e cadeira de rodas, mas só pensa em voltar aos bombeiros. Faz fisioterapia e exercício diário. Perdeu 32 dos 138 quilos que tinha. Os médicos acreditam que a gordura o salvou.
Na sua barriga vão visíveis as marcas do disparo de que foi alvo e uma costura de grandes dimensões. O intestino foi cortado e tem de usar um saco. Ainda vai ser operado novamente.
"Foi um filme de terror"
Luís Abrantes só descobriu o que tinha acontecido um dia depois de acordar do coma e por intermédio de uma médica. "Disse-me que tinha sido baleado, operado, que estive muito mal, que me foram buscar ao São Pedro duas ou três vezes", conta, em declarações ao JN.
Mas Luís recorda-se da chegada ao teatro de operações. Do início do combate, dos estoiros que ouvia. E de ter avisado os colegas para se protegerem das explosões. Depois viu "dois a caírem para o chão". "Eu ouvia estoiros diferentes, o que não era normal, mas não sabia que eram tiros", diz.
Com dois homens no chão, mandou os operacionais recuarem e pediu socorro para ambos. Entretanto, deparou-se com outro bombeiro ferido numa perna. Pediu mais uma ambulância e baixou-se para lhe fazer um garrote, para estancar a hemorragia, quando foi baleado. "Eu estava de lado, a bala entrou e saiu. Lembro-me de pedir ajuda, abri o casaco e vi que tinha uma coisa cá fora, que não era normal, caminhei uns dois metros e deixei-me cair", lembra.
Foi arrastado por outros bombeiros e, depois, posto em cima de um trator e levado até uma ambulância. Não se lembra de mais nada.
"Já apanhei muito susto na minha vida, já tive de saltar para um rio nos incêndios florestais, de fugir para a queimada, mas ir combater um fogo e ser recebido assim... Foi um filme de terror, nunca pensei que isto acontecesse", diz. "Às vezes acordo de noite com os estoiros e com a imagem dos meus colegas a caírem para o lado".
"Tem de haver mão pesada"
Luís Abrantes conhecia há 15 anos o homem por detrás do incêndio e das explosões. Tinha trabalhado para ele, José Carlos Guerra, por diversas vezes. E não o perdoa pelo que fez.
"Agora não conseguia, mas se estivesse bem, como estava antes disto, desmanchava-o todo. E se me aparecer à frente um dia qualquer, não sei", conjetura, com a voz embargada e lágrimas.
O bombeiro acredita que foi alvo de "um ataque terrorista". E reclama justiça. "Ele devia ser condenado a sério. Não é apanhar 10 a 15 anos, era ficar lá, para ver se o matam. Tem de haver mão pesada", defende.
Suspeito em prisão preventiva
José Guerra, taxista de 62 anos, estava a divorciar-se e queria que a mulher ficasse sem nada. No dia em que um solicitador foi avaliar a sua velha serralharia, fez explodir engenhos feitos com combustível, abriu o gás de botijas e ateou o fogo. Escondido num subterrâneo, disparou sobre os bombeiros e um militar da GNR. Horas depois, entregou-se. Está preso e acusado de um crime de incêndio, seis de homicídio tentado e dois de arma proibida.
À Margem
Perda de rendimento
Luís Abrantes está de baixa, a receber do seguro 635 euros por mês, menos do que o salário mínimo. Diz que está a perder mil euros por mês. A Liga de Bombeiros prometeu ajudá-lo.
Condecorações
O bombeiro, os quatro colegas e o militar da GNR feridos foram condecorados, há uma semana, em Lamego, nas comemorações do Dia Nacional do Bombeiro.
103 operacionais
Foi o número de operacionais mobilizados para o fogo na velha serralharia de Vale de Madeiros, entre bombeiros, elementos do INEM e militares da GNR.
