Juiz Ivo Rosa atribui figura legal de "vítima" a 94 ex-clientes do banco e já tem à espera outros 1500, que reclamam mais de 200 milhões de euros.
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O advogado Nuno Silva Vieira requereu a atribuição do estatuto de vítima a 1600 lesados do BES, no processo principal da queda deste banco e do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014. Esta semana, o juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, aceitou a pretensão dos primeiros 94.
Silva Vieira diz que aquela decisão é "inédita" em processos da banca e vai permitir aos investidores alegadamente enganados receberem indemnizações mais altas e mais brevemente. Os 1600 lesados exigem mais de 200 milhões de euros.
"O estatuto de vítima dá aos lesados um conjunto de direitos interessantes, nomeadamente a possibilidade de terem as indemnizações em primeira instância, sem necessidade de estarem à espera de recursos que os arguidos eventualmente vão colocar", explica ao JN o causídico.
Arresto sobre arresto
A indemnização das vítimas pressupõe que haja condenações. Para já, o processo tem 30 arguidos acusados, dos quais se destaca o ex-banqueiro Ricardo Salgado, e está na fase de instrução, a cargo de Ivo Rosa. Por isso, ainda não é certo quem e por quais crimes se vai sentar no banco dos réus.
Mas o advogado dos lesados quer garantir, desde já, que, em caso de condenação, haverá bens para ressarcir os seus clientes do prejuízo que tiveram com os investimentos que fizeram no Espírito Santo.
Para isso, o advogado vai pedir ao juiz o arresto preventivo de património, avaliado em 250 milhões de euros, que o próprio Ministério Público (MP) já arrestou a acusados, incluindo Salgado. A mira está apontada, sobretudo, a contas bancárias.
"O arresto do Ministério Público não nos protege a nós", justifica Silva Vieira, que está a pedir 130 mil euros por danos morais para cada titular de conta. Explica que a quantia é superior à habitual porque inclui o "dano punitivo". O que é possível graças ao estatuto de vítima requerido para os lesados.
Segundo o defensor, trata-se de "uma espécie de punição social exemplar", dependente de o arguido ter capacidade financeira e aplicável a situações "tão graves que não podem voltar a acontecer". "Pela primeira vez [no país], temos a certeza absoluta de que há arguidos com elevada capacidade financeira", frisa, lembrando que o património arrestado aos acusados ascende a 1,8 mil milhões de euros.
Decisão não é definitiva
A atribuição do estatuto de vítima a 94 lesados, noticiada por "SIC" e "Público", pode ainda, porém, ser objeto de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, incluindo por parte do MP.
Recentemente, os procuradores tinham defendido que o estatuto de vítima, resultante de uma diretiva europeia, só pode ser atribuído em casos de criminalidade violenta. Mas, esta semana, Ivo Rosa decidiu em sentido contrário.
"Tendo os arguidos alegado perdas patrimoniais em consequência dos crimes descritos na acusação, os mesmos enquadram-se no conceito de vítima definido [na lei]", justificou o juiz.
Silva Vieira crê que Ivo Rosa vai manter o entendimento quando apreciar os restantes 1500 casos, que agrupou em requerimentos distintos.