"Carregou a arma com uma munição e apontou-me à cabeça", diz vítima de praxe na Força Aérea
Um dos dois soldados da Força Aérea Portuguesa (FAP) que terão sido alvo de praxes violentas por parte de dez militares, entre 2018 e 2019, na Base Aérea N.º 5, em Monte Real (Leiria), afirmou esta terça-feira em tribunal que um dos acusados chegou a apontar-lhe uma arma de fogo à cabeça.
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“O [arguido] André [Alves] disse que íamos ter uma aula de armas. Eu achei que era uma brincadeira. Ele disse-me: ‘Dá-me a tua arma’. E eu dei. Ele desmontou-a e, ao montar a arma, carregou-a com uma munição e perguntou-me: ‘E se eu agora te matasse? Confias em mim?’ E apontou-me essa arma à cabeça. Depois ele deve ter percebido que estava a fazer algo de mal e deu-me a arma e o serviço continuou”, contou António G. ao coletivo de juízas.
No seu depoimento, o ofendido, que se constituiu assistente no processo, também referiu que o arguido lhe colocou ao pescoço uma corrente de fechar os portões, e que um sargento, de seu nome Cartaxo, viu-o acorrentado, mas nada fez. "Eu tinha de fingir ser o cão dele. Era uma corrente grossa de um portão, que ele me colocou. Ela ficou-me justa ao pescoço. Fiquei de gatas, de quatro, dentro da Porta de Armas. Ele puxava a corrente e eu andava por baixo das mesas”, relatou, acrescentando também que chegou a ficar duas vezes fechado nas jaulas dos cães. “Eles diziam: ‘Agora vais fazer uma ronda como se fosses o meu binómio’.
Na última sessão de julgamento, recorde-se, André Alves negou ter apontado uma arma de fogo à cabeça do ofendido. "Não é verdade. Jamais. Isso era logo um crime", disse, negando ter igualmente posto uma corrente ao pescoço de António G.
Esta terça-feira, o ofendido recordou ainda um episódio em que um dos arguidos lhe terá pedido que subisse ao hangar dos F-16 de emergência e se aproximasse do depósito de hidrazina, uma substância altamente tóxica. "Pensei que me iam empurrar [dali]", lembrou, ao que a juíza Maria Isabel Teixeira disse-lhe que já estava a "efabular".
Durante a sessão o ofendido foi ainda confrontado com vários vídeos onde aparece em festas e a ingerir bebidas alcoólicas, apesar de ter dito que nunca bebe. "O senhor passou uma imagem de pessoa frágil, que não bebe e de que só o fazia se fosse obrigado, mas, afinal, se oferecessem uma bebida até bebia", comentou a presidente do coletivo de juízes.
Na última sessão, onde começou a prestar depoimento, António G. havia contado que era obrigado a beber álcool pelos dez militares (cabos, cabos-adjuntos e soldados), que já foram expulsos da FAP. “Se eu dissesse que não, era pior. A pessoa que é contra as praxes vira bicho”, justificou-se, admitindo que “chorava quase todos os dias.”
Questionado por que razão não abandonou a Força Aérea, o ofendido respondeu que não o fez para evitar pagar a indemnização exigida a militares que cessam contrato por sua iniciativa. "Era tarde para sair", lamentou.
O Ministério Público refere que os dez arguidos, então com a especialidade de Polícia Aérea, consideravam que os dois ofendidos, António G. e Alexander P., apresentavam um nível de desempenho "abaixo do padrão" e, como tal, deviam ser sujeitos a um "processo de integração/ensinamento".
Para a próxima sessão está prevista a audição do segundo ofendido.