Cartel informático fazia concursos à medida para burlar Estado em milhões de euros
Empresa suspeita de controlar procedimentos de entidades públicas para vencer adjudicações. Recorria a “Bíblia” e a “toupeiras” infiltradas.
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Chamavam-lhe a “Bíblia”. Eram os cadernos de encargos produzidos à medida dos seus interesses empresariais para as entidades públicas usarem no lançamento de concursos, manipulados à partida e que permitiam garantir ganhar as adjudicações, que, nos últimos anos, atingiram cerca de 20 milhões de euros. É por estas suspeitas de viciação das regras de contratação pública que a Polícia Judiciária (PJ) realizou, ontem, uma centena de buscas e deteve seis pessoas, acusadas de pertencer a um cartel da informática que tem como epicentro a empresa DecUnify.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, a Universidade do Porto, a de Coimbra, a Casa da Música, o Banco de Portugal, as Águas Douro e Paiva, a Simdouro, o grupo Brisa, o INEM, o Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) e a Unidade Local de Saúde do Nordeste, em Bragança, terão sido vítimas do esquema de cartelização, alegadamente criado pela DecUnify.
“Toupeiras” nas entidades
Com a cumplicidade de “toupeiras” nas entidades públicas, esta empresa, com instalações no Porto, é suspeita de disponibilizar aos clientes do Estado os cadernos de encargos que serviriam para lançar os concursos de fornecimento de bens e serviços. Ao participar na elaboração do processo de aquisição das entidades públicas, a DecUnify teria assim o poder de escolher as características técnicas que iriam constar dos concursos e, na posse desta informação privilegiada, contactava com os fornecedores internacionais para estabelecer preços. Segundo o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto e a Procuradoria Europeia, as duas entidades que dirigem o inquérito, a empresa controlava a montante e a jusante os trâmites da contratação pública. Só na Universidade do Porto e num agrupamento de escolas da cidade, a DecUnify venceu cerca de quatro milhões de euros em concursos, alegadamente manipulados. Algumas das “toupeiras” terão recebido dinheiro, outras viagens. Uma delas terá viajado para Barcelona à custa de uma empresa de informática controlada pela DecUnify.
Ontem, a PJ do Porto deteve seis pessoas: um funcionário da Universidade do Porto, outro de uma empresa concessionada pelo Estado, além de um membro da administração e três funcionários da principal empresa visada. Entre eles, o caderno de encargos fornecido pela DecUnify era chamado “Bíblia”.
Mas há mais arguidos. É que, além de ser suspeita de controlar o processo pré-concursal, a DecUnify também teria um conluio com outras empresas de informática que se candidatavam aos concursos do Estado. Para evitar suspeitas ao vencer todas as adjudicações, os suspeitos acertariam fornecer empresas concorrentes que, por sua vez, forneceriam as entidades públicas.