Casal gay registou ilegalmente bebés. Márcio foi preso no Brasil, Hélder teve perdão em Portugal
Márcio Mendes, 50 anos, e o marido Hélder Dias, 46, adquiriram dois recém-nascidos, no Brasil, para os adotar.
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O primeiro foi condenado, no verão do ano passado, pelas autoridades brasileiras, a cinco anos e dois meses de cadeia por tráfico de seres humanos e aguarda decisão sobre o pedido de extradição para Portugal. Já o companheiro foi indiciado, pelo Ministério Público português, por dois crimes de auxílio à imigração ilegal, mas beneficiou, em janeiro, de uma suspensão provisória de processo. Em julho, ficará livre de qualquer acusação.
A procuradora do Tribunal de Valongo, Susana Saavedra, considerou que a conduta de Hélder Dias “é censurável”, mas, em parte, justificada com o “calvário” que é um processo adotivo, sobretudo para casais do mesmo sexo. “Na verdade, apesar de tal não poder servir como justificação para a prática deste tipo de atos, todos sabemos o “calvário” por que passam os casais que pretendem adotar crianças no nosso país, principalmente quando se tratam de casais homossexuais”, defendeu a magistrada.
No despacho que decretou a suspensão provisória do processo, Susana Saavedra deu como certo que o casal português visou “contornar, através do pagamento de contrapartidas financeiras” às mães das crianças, os procedimentos legais e que Hélder Dias cometeu, “em co-autoria material, dois crimes de auxílio à imigração ilegal, um na forma consumada, outro na forma tentada”.
Porém, continuou, o “caminho longo e tortuoso leva, infelizmente, muitos casais a uma situação de desespero, que os faz optar por práticas menos corretas e até ilícitas”, como as protagonizadas por Márcio Mendes e Hélder Dias.
Arguido arrependido
A procuradora fundamentou a suspensão provisória do processo também com o facto de Hélder Dias ter-se mostrado “extremamente arrependido, sofrido, choroso, deprimido” com uma situação que, prevê, será “irrepetível”. “Acredita-se que os factos pelo arguido indiciaramente praticados tenham sido algo de muito conjetural, esporádico e sem repercussões na vida que o espera”, acrescentou.
Márcio Mendes e Hélder Dias foram detidos em dezembro do ano passado. O primeiro no Brasil, a visitar o segundo recém-nascido negociado com a mãe brasileira. Hélder Dias em Sobrado, Valongo, enquanto cuidava, na residência da família, da primeira bebé trazida ilegalmente para Portugal.
Português foi o único a ser julgado no processo brasileiro
Detido em pleno hospital, em 4 de dezembro de 2023, Márcio Mendes ficou em prisão preventiva até 24 de julho do ano passado. Foram, sublinha o marido, sete meses muito duros. “Na prisão, teve de ficar isolado dos restantes reclusos por questões de segurança, porque, logo nos primeiros dias, foi ameaçado de morte”, justifica.
Visto pela comunidade prisional como um português rico que ia ao Brasil comprar bebés, Márcio Mendes tinha apenas “30 minutos de recreio por dia”, gozados sem companhia, para, em seguida, regressar à cela, na qual passava o restante tempo e fazia as refeições. O isolamento manteve-se até ser condenado a cinco anos e dois meses de cadeia, por tráfico de seres humanos.
“Confessou o que fez, explicando que nunca quis traficar crianças. Só queria ser pai e, embora soubesse que estava a cometer uma ilegalidade, nunca teve noção da dimensão do problema”, reforça o companheiro.
Apresentado pedido de extradição
Num processo em que foram identificadas as mães dos recém-nascidos, os médicos que fizeram os partos e os advogados que agilizaram os registos das crianças, Márcio Mendes foi o único a ser julgado e condenado. Atualmente, beneficia de um regime semi-aberto e vive sozinho num apartamento arrendado, em São Paulo. “Está em liberdade, mas pode voltar para a prisão a qualquer momento”, teme Hélder Dias.
Ao JN, a advogado do casal, Ana Raquel Conceição, revela que o pedido de extradição de Márcio Mendes foi apresentado às autoridades brasileiras em 13 de setembro do ano passado. “O objetivo é trazê-lo para Portugal, para que cumpra a pena cá”, sustenta.
Segundo a causídica, as entidades competentes no Brasil “estão a analisar o pedido” e, neste momento, nada mais resta do que “aguardar pela decisão”. Além de esperar, Hélder Dias vai falando todos os dias com o marido com o anseio de o ter por perto o mais rapidamente possível.