Era quase sempre o diretor desportivo Nuno Ribeiro quem comprava e distribuía pelos ciclistas da W52-FC Porto as substâncias dopantes. Mas, defende o Ministério Público (MP), alguns dos corredores da equipa que dominou o ciclismo em Portugal também adquiriam medicamentos proibidos. Os atletas chegavam, até, a trocar informações sobre a melhor forma de fazer as transfusões sanguíneas que lhes permitiam obter um rendimento desportivo mais elevado. E quando sujeitos a testes antidopagem bebiam soro para escapar a sanções.
Corpo do artigo
Segundo a acusação conhecida na sexta-feira, os ciclistas Rui Vinhas e Ricardo Vilela, além de tomarem os produtos cedidos por Nuno Ribeiro, "obtinham substâncias proibidas através de Rui [Homero] Sousa", um ex-corredor profissional com quem mantinham uma relação de amizade.
Ricardo Vilela pedia, igualmente, ao primo Marco Paulo Magalhães que comprasse os medicamentos proibidos tomados durante as provas. E Rui Vinhas, alega o MP, além de comprar doping a estes dois arguidos, recorria ainda ao ex-ciclista Hugo Sancho para ter acesso às hormonas de crescimento.
Já Joni Brandão, descreve o MP, comprava os medicamentos dopantes ao amigo Marco Ferreira, um técnico auxiliar de farmácia que foi ciclista profissional até 2012. O mesmo método foi usado por Samuel Caldeira, que tinha uma amiga, Carina Lourenço, a trabalhar numa farmácia e conseguia disponibilizar os medicamentos sem receita médica.
Informação partilhada com ciclistas de outras equipas
Ricardo Vilela e Rui Vinhas estão acusados, aliás, de trocarem informações sobre a forma de adquirir doping, "bem como sobre a reintrodução de sangue" no próprio corpo. Descreve a acusação que Vilela chegou a pedir ao mecânico da W52-FC Porto, Nelson Rocha, que o "acompanhasse enquanto extraía o seu sangue" para ter ajuda "caso se sentisse mal".
De igual modo, Daniel Freitas, que em 2022 representava a Rádio Popular-Boavista, pediu conselhos a Rui Vinhas, e a Nuno Ribeiro, sobre transfusões de sangue. Freitas, que já está suspenso por três anos por posse de substância e método proibido, terá pago 300 euros por medicamentos não autorizados que foi buscar a casa do antigo companheiro de estrada David Ribeiro.
Urinar e beber soro
Sustenta o MP, que estes ciclistas, assim como os restantes que integram o rol dos 26 arguidos, sabiam perfeitamente que estavam a usar doping. Até porque, frisam as procuradoras Catarina Azevedo e Maria Filipa Soares, todos recebiam instruções do diretor desportivo da W52-FC Porto "sobre os dias, horas e a forma de administrar as referidas substâncias, tendo em consideração as datas das provas e que, entre as 23 e as 6 horas, não se realizavam controlos antidopagem".
Com Nuno Ribeiro os ciclistas aprendiam "ainda técnicas para que conseguissem diminuir a possibilidade de deteção das substâncias proibidas nos controlos antidopagem". Foi o que aconteceu durante a Volta a Portugal de 2021, quando "Joni Brandão e Ricardo Mestre, antes de irem ao controlo antidopagem que estava a ser realizado no hotel onde se encontravam hospedados, questionaram Nuno Ribeiro sobre como poderiam ocultar a presença de substâncias proibidas nos seus organismos".
O líder da equipa recomendou-lhes que "urinassem e bebessem soro" para controlar os "níveis detetáveis no controlo antidopagem".
Falava em código
Quando a equipa não estava em estágio, Nuno Ribeiro usava o telefone para dar indicações aos ciclistas sobre os medicamentos a tomar. Tinha, no entanto, o cuidado de usar aplicações encriptadas como o WhatsApp ou o Telegram para evitar ser alvo de escutas. E falava em código. "Branca" ou "riscos" significava betametasona e "força" era a palavra para a somatropina. Ambas são substâncias proibidas.
Medicamentos em todo o lado
Durante a operação "Prova Limpa", realizada em 24 de abril de 2022, a Polícia Judiciária e a Autoridade Antidopagem de Portugal encontraram substâncias dopantes, seringas, agulhas e kits de transfusão de sangue nas casas dos ciclistas da W52-FC Porto e nos quartos do hotel onde a equipa estava hospedada. O autocarro do clube também guardava sacos com sangue.
Presidente acusado
Adriano Quintanilha e Hugo Veloso, respetivamente presidente e contabilista da W52-FCP, também estão acusados do crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos. E, contrariamente aos ciclistas, respondem ainda pelo crime de administração de substâncias e métodos proibidos.