O comissário da PSP Dennis da Cruz, entretanto promovido a subintendente, foi investigado por suspeitas de ter mandado instalar, sem autorização judicial, dispositivos de localização GPS em, pelo menos, seis automóveis de suspeitos de tráfico de droga, que estão, atualmente, a ser julgados no Tribunal de Matosinhos.
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O inquérito sobre eventuais crimes de abuso de poder foi instaurado em 2023 e arquivado no ano passado, porque o Ministério Público (MP) entendeu que o então oficial da Divisão de Investigação Criminal, estando “desperto” para a investigação, teria já eliminado eventuais provas e, portanto, não valeria a pena tentar recolhê-las. Na origem do caso esteve uma investigação liderada pelo comissário, que tem conduzido alguns casos mediáticos, que resultou na acusação de 23 arguidos por tráfico de droga na Póvoa de Varzim, em Vila do Conde e no Funchal.
Além do Dennis da Cruz, o inquérito visou mais cinco agentes envolvidos na instalação ilegal de dispositivos de localização GPS em viaturas. Os seis polícias tinham um grupo, na plataforma WhatsApp, onde conversaram sobre o tema. “Boa tarde malta, com vista a diligências necessárias foi efetuada aquisição de cartões para as joanas (total: 20€). Quem pretende comparticipar que se acuse” (sic), apelou um deles, em linguagem de código sobre os GPS, numa das mensagens que seriam juntas à denúncia que foi feita e deu origem ao inquérito.
No despacho de arquivamento, o MP conta que os polícias denunciados, quando confrontados, negaram a instalação ilegal dos GPS, mas não deram “nenhuma explicação capaz para a troca daquelas mensagens que se referiam à dita colocação de sinalizadores, referindo (...) não se recordarem das conversas”. “Nem se estava à espera que eventuais colaboradores [do comissário], coautores ou até pessoas que teriam tido conhecimento o viessem admitir formalmente”, observou.
Prova digital inacessível
Inconformado com o arquivamento, um denunciante requereu a intervenção hierárquica do superior da procuradora titular do inquérito. Mas o hierarca, Nuno Serdoura, admitiu que uma “eventual acusação” dependeria sempre de “prova digital” a que o MP, afirmou, não tem acesso. Tais “dificuldades”, acrescentou, seriam dificilmente “ultrapassáveis”, mesmo que fossem apreendidos os telemóveis e o computador do comissário e dos outros polícias. As próprias mensagens do WhatsApp também não seriam suficientes para comprovar o abuso de poder, “ainda que se demonstrasse a sua autenticidade”, justificou.
Derrotado à partida
De resto, o procurador sublinhou que os polícias denunciados, “despertos para a investigação”, teriam já “eliminado eventuais conversações e aplicações”, pelo que a recolha de prova, “a efetuar-se agora, estaria, certamente, condenada ao fracasso.”
E também não seria “viável” questionar os operadores de telecomunicações, segundo disse, porque “há muito” se esgotara o período de conservação dos dados de acesso a sistemas informáticos.
O MP disse ainda que era impossível aceder ao site “Mytkstar”, que seria usado pelo comissário para monitorizar os dispositivos de GPS, isto é, seguir os suspeitos à distância. “Por falta de acesso ou da inativação dos cartões usados nos aparelhos, não temos como apurar se aquelas credenciais alguma vez funcionaram, em que alvos foram utilizadas, durante que período e em que circunstâncias ou trajetos”.
O denunciante ainda requereu a reabertura do inquérito, pedindo a audição de mais testemunhas e perícias informáticas, mas tal foi indeferido. “Apesar de ter considerado que a factualidade era suscetível de integrar o crime em apreço”, o MP considerou “não ser possível obter os dados de acesso a sistemas informáticos que comprovassem que as viaturas fossem alvo de localização de GPS”.
Crime ou simples falta?
O procurador Nuno Serdoura começou por escrever que, se existissem indícios suficientes de que tivessem sido usados os aparelhos, “tal constituiria apenas uma violação dos deveres funcionais”. Mas, depois, assumiu que “tal posição jurídica é, afinal, controversa”, e que o “uso não autorizado de GPS pelas forças policiais poderia integrar um crime de abuso de poder”.
Pormenores
23 acusados
A investigação durante a qual seis carros poderão ter sido seguidos por polícias sem autorização judicial resultou na acusação, em dezembro de 2023, de 23 arguidos por tráfico de droga na Póvoa de Varzim, em Vila do Conde e no Funchal.
Heroína e haxixe
Segundo a acusação, os arguidos atuavam em grupos paralelos, sob a liderança de dois deles. Compravam e vendiam cocaína, heroína e haxixe, entre outras.
Cem consumidores
Os arguidos, da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, são acusados de vender droga a cerca de cem consumidores daquela região e do Funchal, onde residia um dos alegados líderes da rede.