Desde 2011, apenas 26 indivíduos foram arguidos por abdicar da imparcialidade em decisões públicas.
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Nos últimos dez anos, as condenações por corrupção mais do que duplicaram. Enquanto em 2011 só 35% dos 130 indivíduos constituídos arguidos por crimes de corrupção passiva e ativa foram condenados, em 2020 a percentagem já foi de 74% (92 em 124). A especialização do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária, aliada à melhoria do acesso a informação bancária, é a explicação apontada para o aumento.
Em Dia Internacional de Combate à Corrupção, pode falar-se em melhorias na luta contra este crime. Ainda assim, a falta de meios é apontada por todos os agentes judiciários como um obstáculo à tentativa de minimizar o impacto de um tipo de crime que justificou perto de cinco mil inquéritos nos últimos dez anos. Muitos destes casos foram arquivados, porque não se verificou a prática do crime ou porque não se reuniu prova para sentar os protagonistas no banco dos réus.
Segundo os dados fornecidos ao JN pelo Ministério da Justiça, entre 2011 e 2020 foram constituídos 1168 arguidos por suspeitas de corrupção. Destes, 629 (53%) foram condenados. São decisores públicos, sobretudo em autarquias, mas também noutros organismos do Estado, que aceitam luvas ou outras contrapartidas para favorecer alguém.
A lei do silêncio que vigora entre corruptor e corrompido é uma das maiores dificuldades que as autoridades enfrentam no combate ao fenómeno. Mas a Justiça procurou adaptar-se.
Diretivas comunitárias
"A própria forma como o MP se organizou, com a especialização, através da criação de departamentos de investigação e ação penal regionais, e a criação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, permitiu maior funcionalidade e eficácia no combate à corrupção", explicou ao JN o presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, Adão Carvalho, acrescentando que a criação de secções especializadas conduziu a uma formação contínua dos magistrados.
O procurador, que também realça a especialização da Polícia Judiciária, através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, dá ainda outra explicação para a melhoria: a legislação.
"Temos maior acesso a informação, de instrumentos internos e da União Europeia. Em virtude de diretivas europeias, nomeadamente no que toca a leis contra o branqueamento de capitais, existe hoje acesso mais célere a informação, por exemplo, bancária. Torna-se mais fácil obter prova dos crimes", compara.
Poderosos ainda a salvo
Para João Paulo Batalha, vice-presidente da Associação Frente Cívica, a maioria dos casos em que existem condenações são, normalmente, os de "pequenos funcionários públicos que receberam um favor isolado". "Estes são os casos mais fáceis de provar e levar a julgamento", lembra, considerando que as figuras importantes do aparelho do Estado raramente são responsabilizadas.
Mas, relativamente aos poderosos, Batalha aponta ainda outra perversidade do sistema judicial. "Normalmente, estes arguidos levam com pena suspensa, porque, regra geral, não têm antecedentes criminais. Os relatórios sociais dizem que são pessoas bem inseridas socialmente, mas isso deveria ser uma agravante e não uma atenuante, nos casos de corrupção", diz.
Para Batalha, é perverso que estes arguidos abusem "das suas posições na sociedade e na administração pública" e, na hora de serem sentenciados, beneficiem dessa "inserção social".