Vítima atravessou rua encostada ao veículo, num ângulo morto. Motorista sentado na cabina não a viu e arrancou.
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O condutor de um camião do lixo que, em maio de 2018, atropelou mortalmente uma mulher, de 71 anos, em Vila Nova da Telha, na Maia, foi absolvido de homicídio por negligência. A decisão foi confirmada, este mês, pelo Tribunal da Relação do Porto que, todavia, condenou a seguradora da Maiambiente a pagar 85 mil euros às duas filhas da vítima.
O acidente ocorreu ao final da tarde de 24 de maio de 2018, na Rua Nova de Quires, onde residia a vítima. O motorista parou ao lado de viaturas estacionadas, para os cantoneiros esvaziarem os contentores de lixo na caixa do camião. Nesse momento, a idosa começou a atravessar a rua da direita para esquerda, considerando o sentido da marcha do veículo. Fê-lo junto à frente do camião, cujo vidro frontal começa a 1,90 metros do solo, num ângulo morto para o condutor.
Os cantoneiros deram sinal para o motorista arrancar e este, não vendo a idosa de apenas 1,47 metros de altura, avançou. O camião embateu em Maria e projetou-a para o solo, passando por cima dela com as rodas do lado direito. A vítima ainda foi colocada em suporte básico de vida, mas viria a falecer cerca de 15 a 20 minutos depois.
Condutor e empresa acusados
O Ministério Público (MP) acusou o condutor, hoje com 60 anos, e a empresa municipal Maiambiente de homicídio por negligência. As duas filhas da vítima reclamaram 170 mil euros à seguradora da Maiambiente.
Em setembro de 2024, o Tribunal da Maia absolveu a empresa municipal por “ilegitimidade de figurar na ação” e considerou que a morte da vítima não adveio de conduta negligente do condutor, que não tinha como a visualizar. “Ao invés, deveu-se a uma conduta descuidada da ofendida e, bem assim, aos riscos do próprio veículo, designadamente ao modo específico da sua condução, à dificuldade de visualização por parte do condutor e à manobra que estava a ser realizada”. Assim, absolveu o condutor, mas condenou a seguradora a pagar 142 mil euros às filhas da vítima.
O MP e a seguradora recorreram da decisão. A Relação do Porto negou o primeiro recurso e deu parcial provimento ao segundo (ler caixa). Os juízes desembargadores rejeitaram qualquer conduta leviana do motorista, voltando a atribuir a culpa “ao comportamento absolutamente temerário” da vítima, imprevisível para o arguido, sem esquecer “os riscos próprios da circulação de um veículo daquelas características”.
Nuno Cerejeira Namora, advogado da Maiambiente, lamentou que o MP tenha recorrido da decisão sem qualquer real fundamento e saudou a célere decisão da Relação do Porto, num processo que evidenciou a complexidade da aferição da responsabilidade criminal e civil em acidentes envolvendo veículos pesados.
Indemnização reduzida para menos de metade
O Tribunal da Maia atribuiu uma indemnização de 142 mil euros às duas filhas da vítima pelo dano da morte da mãe, danos não patrimoniais das sucessoras, lucros cessantes, custos do funeral, escritura e roupas negras para o funeral. A seguradora recorreu. Admitiu que os riscos do veículo (a existência do ângulo morto e o seu elevado peso) terão contribuído para o acidente, mas em muito menor grau (10%) do que a conduta negligente da vítima. Os juízes da Relação concordaram parcialmente e reduziram em 40% o valor da indemnização, fixando-a nos 85 mil euros.
Pormenores
Câmara de filmar
O camião tem uma câmara que mostra a frente do veículo, mas só é ativada quando se aciona o pisca à direita, o que, neste caso, induziria em erro os outros condutores.
Sem passadeiras
A idosa deslocava-se para a igreja, como era habitual às quintas-feiras ao final da tarde. Não existe qualquer passadeira a menos de 50 metros do local do acidente.
18 toneladas
O camião tem 3 metros da altura e pesa 18 toneladas, com tara de 13 toneladas.