O grupo de trabalho constituído pelo Conselho Superior da Magistratura para conferir celeridade à justiça, nomeadamente nos megaprocessos, propõe a aplicação de multas a quem praticar atos apenas para retardar os processos. Também são feitas propostas para restringir os recursos e a instrução dos processos.
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Dezenas de alterações legais, sobretudo ao processo penal, são sugeridas no documento, a que o JN teve acesso, que acaba de ser apresentado ao órgão plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), com o nome "Megaprocessos e processo penal: carta para a celeridade e melhor justiça". O trabalho foi desenvolvido por seis juízes (Ana Paula Conceição, António Gomes, Graça Pissarra, João Ferreira, José Carlos Ramos e Helena Susano) e um magistrado do Ministério Público (Rui Cardoso).
"Multa por ato dilatório e defesa contra as demoras abusivas". Neste capítulo, os sete magistrados defendem que o legislador deve consagrar expressamente na legislação "uma norma geral sancionatória para comportamentos processuais impertinentes e causadores de atrasos injustificados na marcha do processo penal".
Em articulação com aquela multa por ato dilatório, propõe-se o aditamento de uma "norma congénere à do artigo 670º do Código de Processo Civil". A adaptação deste artigo ao processo penal permitirá aos juízes dos tribunais criminais mandar processar "em separado" requerimentos ou incidentes da defesa em que seja manifesto o interesse em obstar ao andamento normal do processo. No processo civil, uma decisão impugnada através de um incidente manifestamente infundado pode ser considerada, "para todos os efeitos", transitada em julgado.
Instrução com menos prova
Os "incidentes com dolo dilatório", através de recusas de juiz, "exaustão" de prazos ou "recursos manifestamente inadmissíveis e ou improcedentes", são um dos "problemas detetados" pelo grupo de trabalho e levaram-no a fazer outras propostas.
Como se previa, em função de certo clamor contra a transformação da instrução dos processos numa espécie de prejulgamento e em resposta ao próprio guião que o CSM entregou ao grupo de trabalho, este faz várias propostas para emagrecer a fase processual posterior ao inquérito. A primeira, que classifica como uma "inovação", preconiza que a instrução seja uma "fase composta apenas por um debate instrutório, onde decorre, se a ela houver lugar, a produção de prova".
Mas esta produção de prova, sublinha-se, deve ser "excecional e na justa medida" do que o juiz de instrução entende ser "imprescindível" para decidir se submete, ou não, o caso a julgamento. "A prova requerida só pode ser admitida se, requerida em inquérito, tiver sido indeferida", acrescenta o relatório pedido pelo órgão de disciplina e gestão dos tribunais em outubro de 2023, dirigido por Cura Mariano (presidente, desde junho de 2024) e Azevedo Mendes (vice-presidente, desde maio de 2023).
O grupo de trabalho também defende que o requerimento de abertura de instrução dos assistentes só deve ser admissível "se observar os requisitos de uma acusação". E, no último ponto deste capítulo, defende a "possibilidade de um juiz de instrução criminal dispensar a leitura da decisão instrutória", limitando-se a notificar as partes da mesma. Uma opção que já tem sido assumida por alguns juízes, privando os jornalistas de tomarem conhecimento atempado das respetivas decisões.
Menos recursos para ao STJ
Em matéria de recursos, o grupo de trabalho propõe restrições aos que são apresentados para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Defende que só devem ser interpostos sobre "acórdãos proferidos em recurso quando a pena concreta aplicada seja superior a oito anos", e não cinco, "exceto no caso de decisão absolutória em primeira instância"; sobre "acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão superior a 12 anos" (atualmente o limite mínimo são oito anos); e ainda sobre "acórdãos que apliquem penas superiores a oito anos que visem exclusivamente o reexame de matéria de direito ou com os fundamentos do artigo 410/2/3 [do Código de Processo Penal]", como sejam a invocação de "erro notório" da apreciação da prova, ou de "contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão".
Efeito devolutivo no TC
Nos recursos para o Tribunal Constitucional, defende-se que este possa, a título excecional e em sede exclusivamente penal, conferir efeito devolutivo (e não suspensivo) ao recurso, se com isso não afetar a utilidade da decisão a proferir. O efeito devolutivo deve ser extensível "aos casos em que o recurso for manifestamente infundado ou a sua finalidade for meramente dilatória", acrescenta o grupo de trabalho.
A recusa do juiz, incidente frequentemente suscitado por advogados para afastar o magistrado judicial ao qual foi distribuído o processo, mas raramente bem-sucedido, também é visto como causa da lentidão dos tribunais. O grupo de trabalho do CSM defende que aquela recusa não deve determinar a suspensão dos ulteriores termos do processo, ou seja, o juiz recusado "pratica todos os atos, mesmo os não urgentes". E, se a recusa for procedente, os atos praticados entretanto pelo juiz posto em causa não deixam de ser válidos, "exceto de deles resultar prejuízo para a justiça da decisão do processo", defende.
Potenciar tramitação eletrónica
A tramitação eletrónica dos processos é outra área em que o grupo de trabalho detetou problemas que contribuirão para a morosidade da justiça. Neste sentido, são propostas alterações à portaria 280/2013, designadamente, para que seja possível a "consulta, por via eletrónica, do processo e respetivos apensos após a remessa do recurso ao tribunal superior". O objetivo é dar "maior eficiência e agilidade na comunicação entre os tribunais".
A outra proposta de alteração àquela portaria visa a "obrigatoriedade, em detrimento do pretérito caráter preferencial, de apresentação do conteúdo material das peças processuais em formato pesquisável, quando os atos sejam praticados através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais".
Estas e outras propostas formuladas pelo grupo de trabalho do CSM deverão ser remetidas ao Ministério da Justiça, ao qual competirá, se assim o entender, a iniciativa legislativa para lhes dar efeito prático.