Os primeiros casos de pessoas que, mesmo infetadas com a covid-19, violaram o dever de confinamento começam a chegar a tribunal.
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Esta quarta-feira, arrancou o julgamento de um ex-construtor civil, no Tribunal de Penafiel, pelos crimes de propagação de doença e desobediência. Segundo o Ministério Público (MP), o arguido, António Duarte, de 58 anos, mesmo doente continuou a trabalhar, deu boleia a familiares e vizinhos e raramente esteve isolado na habitação durante os 14 dias a que, no mínimo, estava obrigado.
O empreiteiro trabalhava numa obra no Parque das Nações, em Lisboa, quando, no início de maio de 2020, começou a ficar doente. Perante os sintomas que o afligiam, António Duarte ligou para a Saúde 24 e, do outro lado da linha, ouviu a ordem para se isolar.
Porém, acusa o MP, aquela indicação nunca foi cumprida. António Duarte realizou vários testes à covid-19 mas, como estes apresentavam resultado negativo, continuou a viver na mesma residencial de Alenquer e a trabalhar na obra para a qual tinha sido contratado.
Só em 10 de maio de 2020 é que o teste ao coronavírus, efetuado no dia anterior, deu positivo.
"Não era colaborante"
Na altura, o agora reformado foi contactado pela Unidade de Saúde Pública (USP) do Vale do Sousa Sul e recebeu a indicação para recolher a casa. Salienta a acusação que preferiu manter-se por Lisboa.
"Quando lhe liguei a primeira vez, disse-me que preferia ficar em isolamento na sua casa, em Penafiel. Mas, no dia seguinte, quando voltei a ligar, ele continuava em Lisboa, porque ia ter uma reunião com cerca de 20 pessoas", descreveu o enfermeiro da USP, Manuel Queirós, na primeira audiência do julgamento que ontem começou.
Na mesma sessão, Júlio Ramos, colega de trabalho de António Duarte, negou a existência de tal encontro. Contudo, a delegada de saúde Maria de Fátima Marques confirmou a tese do MP. "Ele sabia que estava positivo, mas não era uma pessoa colaborante", afirmou.
Segundo aquela médica, António Duarte regressou a casa, embora dias depois de ter sido diagnosticado com covid-19, e manteve um comportamento inadequado. Deu boleia, no seu automóvel, a um vizinho até ao centro de saúde - a quem telefonaria horas depois para o informar que estava infetado - e partilhou o carro com um irmão. E este último seria contagiado pelo SARS-CoV-2.
"Tive outros doentes que não respeitavam o isolamento, mas passaram a fazê-lo após serem localizados e avisados pela GNR. Neste caso, isso não aconteceu", garantiu ainda a médica.
Na primeira sessão do julgamento, António Duarte usou o seu direito ao silêncio para não responder a perguntas.