Urgências do São João chegavam a ter 600 doentes/dia e agora são uma "calmaria". Agentes do Posto de Polícia foram decisivos no início da pandemia para lidar com doentes e familiares.
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Todos os dias, viam pessoas com a vida presa por um fio, vítimas de violência doméstica com vergonha de contar como aquele lábio foi rachado ou o olho ficou negro. Quando não eram chamados à Pediatria por suspeitas de abuso sexual de uma criança. Fazem serviço no Posto de Polícia do maior hospital do Norte, o São João, e não se lembram de ver o Serviço de Urgência (SU) tão vazio, apesar do lento regressar à normalidade.
"Desde o início da pandemia que a Urgência tem cerca de um terço do movimento. Até estranhamos tanta calmaria", conta ao JN o chefe Fernando Silva, face protegida por uma pouco prática viseira de proteção, sinal dos tempos estranhos que vivemos e que a todos toca.
Mário Moreira, comissário, adjunto do Comando da 3.ª Divisão da PSP do Porto, recorda o papel essencial que o pessoal do Posto de Polícia (dois agentes 24 horas por dia, mais um em serviço remunerado pago pelo hospital) teve no início da pandemia, logo após a montagem do hospital de campanha reservado aos doentes com covid-19.
Muita ansiedade
"Havia nas pessoas uma grande carga emocional e ansiedade e a presença policial dissuadiu alguns comportamentos. Temos de perceber que tanto o hospital de campanha como as urgências são locais com potencial de conflitos, quer por parte dos doentes, quer dos seus familiares", referiu Mário Moreira.
Aliás, Fernando Silva, mais de uma dezena de anos de serviço no Hospital de São João, conta que, "por norma, são os acompanhantes e familiares que criam mais problemas". Mas, nos últimos meses, nem esses têm desassossegado a Urgência. Mesmo os tradicionais clãs familiares, que assentavam arrais nos jardins do hospital, raramente por ali aparecem.
Ainda assim, diversos gabinetes do SU estão equipados com um botão de alarme. "Se algum médico ou enfermeiro estiver em apuros, carrega no botão e o alarme soa no Posto de Polícia. Do mesmo modo, temos um número único de telemóvel, conhecido de todos os responsáveis do hospital e de todo o dispositivo da PSP", referiu Fernando Silva.
Nem uma ambulância
Quanto mais tempo demorava a conversa com os dois elementos policiais, maior a estranheza. Em cerca de uma hora, nem uma única ambulância em serviço de emergência para as duas urgências (geral e pediátrica), nem um doente para o teste ao covid-19.Isto num hospital que chegou a ter picos de 600 doentes/dia nos Serviços de Urgência.
"Tem sido assim. As pessoas parece que têm medo de vir à Urgência, quando os circuitos estão bem definidos e separados", sublinhou Mário Moreira.
A rotina, até há dois ou três meses, ditava que mas madrugadas de domingo se enchessem as urgências de jovens, vítimas de excessos durante a noite, e que as festas populares ou a Queima das Fitas trouxessem um acréscimo substancial de doentes.
CASO
Invasão da urgência e agressões
Em fevereiro do ano passado, um grupo de indivíduos invadiu a Urgência, alegando demora no atendimento de um familiar. Agrediram um segurança, o enfermeiro de serviço na triagem e um assistente operacional. No exterior, um deles apontou um dedo a um agente da PSP, simulando um tiro, entrou no carro e tentou atropelá-lo, obrigando o polícia a disparar para o ar. Quatro foram julgados e condenados este ano a penas suspensas.
ATENTOS A CRIMES
Violência doméstica
A experiência permite aos agentes detetar vítimas de violência doméstica, acionando o Gabinete de Atendimento e Informação à Vítima.
Abusos sexuais
Na Urgência Pediátrica, qualquer profissional de saúde que examina um menor e suspeita de abusos sexuais liga para o telemóvel do Posto de Polícia.
Postos
Os grandes hospitais da zona do Porto (São João, Santo António, Pedro Hispano e Gaia) dispõem em permanência de agentes da PSP. "São fundamentais como fator de dissuasão", sublinha Mário Moreira.