Um menino de oito anos de idade, envolvido há vários anos numa disputa parental, vai passar a residir com o pai, ditou o Tribunal da Relação do Porto. Em julho, o Tribunal de Família e Menores da Maia tinha decidido retirar a criança à mãe, com quem sempre vivera, e institucionalizá-la. A medida foi suspensa após um recurso, mas, ontem, foi decidido que a criança vai residir, para já, com o pai, "a fim de pôr cobro a uma clara situação de alienação parental".
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A disputa judicial entre Susana e Paulo arrasta-se desde que o casal se divorciou, há sete anos. A criança ficou a residir com a mãe. O pai teria direito a visitas e a dois fins de semana mensais. Com o agudizar do conflito entre os progenitores, foi estabelecido um regime de visitas vigiadas num centro de apoio da Segurança Social.
Os convívios iniciais decorreram sem problemas, mas, com o andar dos anos, o menino começou a não querer estar com o pai, até se recusar a entrar na sala onde ele estava. A situação foi-se agravando, com sucessivos recursos aos tribunais e incumprimentos do regime de visitas por parte da mãe.
Nem mãe, nem pai: institucionalização provisória
Em julho, um juiz decidiu institucionalizar provisoriamente o menino, justificando a medida com o desrespeito pelo cumprimento do acordo parental e a instrumentalização de que a criança estaria a ser alvo por parte da mãe. A progenitora, enfermeira no Porto, protestou contra a medida alegando que o menino não queria estar com o pai.
Por sua vez, o pai, bancário de profissão, recorreu da medida, acusando a ex-mulher de colocar o menino contra si, "com recurso a mentiras, calúnias e falsidades e, pior, com recurso a maus-tratos do menor, impedir que o menor estivesse com o requerido". Afirmando que "apresenta todas as condições, qualidades e atributos para o adequado exercício da parentalidade", dizia não compreender a decisão de institucionalização do menino, apelando antes a que este ficasse à sua guarda.
"Penalização para o menor e sem benefício de ninguém"
Anteontem, o Tribunal da Relação do Porto decidiu dar provimento ao recurso do pai e atribuiu-lhe provisoriamente a guarda do menino. Segundo o acórdão a que o JN teve acesso, os três juízes desembargadores concordaram que a decisão de institucionalizar o menino seria "uma penalização para o menor e sem benefício para ninguém".
Para justificar a decisão de entregar o menor ao pai, os juízes destacam "as perícias realizadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal que, aconselham, decisiva e urgentemente, que o menor seja confiado ao pai, a fim de pôr cobro a uma clara situação de alienação parental".
"Instrumentalização por parte da figura materna"
As perícias, citadas no acórdão, detetaram uma "instrumentalização por parte da figura materna, que conduziu aos problemas emocionais que a criança apresenta quando está com o pai" e à forma como o rejeita e à "preocupação constante em denegrir" a sua imagem.
As perícias realçam que o pai apresenta características que "poderão facilitar o exercício da parentalidade de forma ajustada às necessidades e interesses da criança". Já a mãe apresenta "um discurso (...) queixoso e apelativo, muito centrado no conflito com o progenitor do seu filho (...)" e "fragilidades, nomeadamente ao nível da conceptualização de condições para o adequado desenvolvimento emocional da criança e na gestão da parentalidade com o outro progenitor".
Os peritos consideram mesmo que a progenitora, "apesar de manifestar um conjunto de afetos positivos relativamente ao seu filho, apresenta algumas lacunas no processo de vinculação ao seu filho, centrando-se por vezes mais em si própria, do que no impacto que o litígio com o progenitor provoca na criança".
Refere-se ao pai como "cabrão nojento"
O acórdão destaca ainda o que considera ser "uma situação mais preocupante": o menor "veicula uma imagem negativa da figura paterna, muito colada ao discurso materno, chegando a referir-se ao pai como 'cabrão nojento'", e denota "uma grande adesão e envolvimento no conflito entre os progenitores", apresentando "sentimentos de insegurança relativamente ao pai e forte aliança relativamente à mãe".
Crescimento do menor relegado para segundo plano
Os desembargadores consideram que esta disputa entre os pais, "que não mostra sinais de abrandar", relega para segundo plano o crescimento do menor: "A realidade que o menor conhece, na verdade, é o conflito entre os progenitores", atiram. Para a Relação do Porto, não há necessidade de inibir as responsabilidades parentais mas há que adotar "medidas suscetíveis de estabelecer verdadeiros laços afetivos com o pai e de redimensionar ou reconstruir um outro relacionamento afetivo equilibrado com a mãe".
"Embora o progenitor manifeste permanente desejo de convívio com o filho, a progenitora persiste em desconhecer que é do interesse de todos os menores também conviverem com os pais", censuram os juízes. Tendo em conta que não foi detetada ao pai "nenhuma causa de natureza psicopatológica que lhe prejudique a capacidade de exercício das responsabilidades parentais", os juízes decidiram confiar-lhe o menor.
Novo relatório dentro de dois meses
O acórdão frisa que a decisão é provisória, pelo que o processo de regulação de poder paternal continua e, após dois meses, será feito novo relatório da situação resultante da solução encontrada. Entretanto, "deve ser solicitada uma avaliação urgente da conveniência na implementação de um regime de visitas à mãe do menor e aos termos em que as mesmas se deverão processar", determinam os desembargadores.
Segundo apurou o JN, a mãe do menor tenciona interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto.