Desemprego e morte de idosos por covid justificam o crescimento deste crime. PSP e GNR investigaram 667 denúncias entre janeiro e agosto deste ano.
Corpo do artigo
O abandono de animais de estimação disparou nas grandes cidades do país. O crescimento de casos investigados pela PSP e pela GNR deve-se, sobretudo, à morte de idosos por covid-19 e ao aumento do desemprego causado pela pandemia. A maioria dos crimes ocorreu em Lisboa, no Porto, em Setúbal e em Leiria.
Maria Quaresma dos Reis aponta aquelas duas justificações para o crescimento dos crimes de abandono nos últimos meses, nomeadamente na capital. "Muitos idosos que faleceram por covid viviam sozinhos com gatos. Os familiares, por incapacidade financeira, não acolheram os felinos, que acabam por ir para a rua", declara a provedora dos animais de Lisboa. Em alguns casos, as vítimas de covid já não tinham família e os animais amenizavam a solidão.
A SOS Animal reconhece o fenómeno de abandono potenciado pela pandemia, mas não arrisca dizer que o aumento se deveu às mortes por covid-19. Sandra Duarte Cardoso, presidente daquela associação, aponta para a ausência de estudos sobre esta problemática, mas admite que a morte dos donos de cães e de gatos tem significado no seu abandono.
"Há casos em que os detentores falecem por várias complicações de saúde e as famílias não acolhem os animais, deixando-os ao abandono. Como o crime é imputado apenas aos detentores dos animais, as famílias não são responsabilizadas", lamenta. A perda de rendimento também precipita a prática deste crime.
Menos maus-tratos
A SOS Animal e a Provedoria dos Animais de Lisboa lembram que a incapacidade financeira de pagamento das rendas das casas nas grandes cidades faz com que os moradores se mudem e deixem os animais para trás. O destino de cães e de gatos passa a ser as ruas.
Os dados, fornecidos pela GNR e pela PSP ao JN, apontam para 667 casos de abandono de animais de companhia, desde o início do ano e até ao final de agosto, em todo o território nacional. A maioria das situações ocorreu nos centros urbanos, sob a jurisdição da PSP. Em igual período do ano passado, os casos não chegaram aos 500.
Já os maus-tratos a animais seguem a tendência inversa em todo o país, com especial incidência na área tutelada pela PSP. Em 2019, registaram-se 538 crimes em investigação nos centros urbanos. Atualmente, os agentes estão a investigar 377 casos.
Laços afetivos ou medo?
Maria Quaresma dos Reis acredita que essa redução nos crimes de maus-tratos pode ser explicada pelo adensar dos laços afetivos entre as pessoas e os animais durante o período da quarentena. Também poderá haver casos em que os crimes não são reportados. Por exemplo, "em situações de violência doméstica, a vítima assiste à crueldade, mas não denuncia às autoridades por medo do agressor", identifica a provedora.
"Em muitos lares, a quarentena e o teletrabalho reforçaram os laços efetivos entre os animais e os seus detentores, evitando muitas situações de maus-tratos, como violência ou o não fornecimento de comida e de bebida", atenta. Já
Sandra Duarte Cardoso entende que o número de casos em investigação não reflete a real dimensão do problema. "Apesar de as autoridades estarem cada vez mais sensibilizadas para estas situações, deparam-se com problemas na investigação, como a falta de espaço para acolher os animais em canis sobrelotados ou a indisponibilidade de médicos veterinários para acompanhar as operações".
Confinamento fez aumentar pedidos de adoção
O confinamento e o teletrabalho durante a primeira vaga da pandemia de covid-19 fizeram disparar os pedidos de adoção de animais de companhia. A SOS Animal e a Associação São Francisco de Assis receberam o dobro das solicitações, mas a política de adoção responsável levou à recusa de muitos pedidos.
Sozinhos em casa e em teletrabalho, muitos trabalhadores procuraram um animal de estimação para calar a solidão do confinamento. No entanto, o regresso às rotinas levaria a que os animais tivessem de ficar sem companhia e encerrados em casa durante grande parte do dia. A falta de disponibilidade dos proponentes à adoção após o regresso às empresas, sobretudo para responder às necessidades dos cães, levou as associações a recusar apelos. Embora existam animais em número suficiente para satisfazer todos os pedidos.
Adoção responsável
A SOS Animal registou um aumento de 200% nas solicitações. Ambas as organizações avaliam as condições de acolhimento. Nos casos em que os candidatos não cumpram os requisitos, não levam os animais para casa. "Há uma política de adoção responsável que tem de ser avaliada, antes da entrega de um animal", sublinha Sandra Duarte Cardoso, presidente da SOS Animal.
As famílias são avaliadas pela capacidade financeira, espaço em casa e disponibilidade para tomar conta do animal. Apesar do aumento de pedidos, o número de adoções na SOS Animal não difere muito dos registos em anos anteriores.
Só um em 10 devolvidos
João Salgado, vice-presidente da Associação São Francisco de Assis, aponta para uma taxa de sucesso de 92% nas adoções devido à política de adoção responsável. Só um em cada dez animais é devolvido. "Os cães precisam de ser levados à rua e muitos candidatos não teriam essa disponibilidade, quando voltassem ao emprego", esclarece. Por mês, a associação entrega, em média, 50 animais.
Os casos de devolução resultam de falta de condições para manter o animal em casa, seja por mudança de habitação, por falta de meios financeiros ou por doença. "Em muitos casos, damos assistência veterinária ou alimentar, mas, às vezes, não há alternativa senão recolher o animal e colocá-lo para adoção".