Crianças começam a ser sexualmente aliciadas pela Internet aos sete anos. PJ aposta na cooperação internacional.
Corpo do artigo
Aos 71 anos, um professor reformado passava os dias a criar falsos perfis nas redes sociais, disfarçando-se de adolescente para atrair meninas, muitas das quais menores de 14 anos. A todas pedia que lhe enviassem vídeos e fotografias em poses pornográficas. Foi detido pela Polícia Judiciária (PJ), em flagrante delito, em Lisboa, na semana passada.
Cinco dias antes, a PJ também deteve, em Olhão, um estrangeiro, de 44 anos e sem profissão, que tinha na sua posse uma quantidade significativa de fotografias e vídeos de crianças, com idades inferiores a 14 anos, nuas e a praticar atos sexuais. Os ficheiros foram trazidos para Portugal pelo mesmo indivíduo, que os partilhava no ciberespaço. Para não ser apanhado, o detido mudava frequentemente de casa e usava os serviços de Internet registados em nome dos proprietários das habitações situadas em Faro, Portimão e Olhão.
Estas detenções juntam-se às mais de 120 que os órgãos de polícia criminal portugueses concretizaram nos últimos quatro anos. Dezanove delas foram realizadas este ano, sendo que sete aconteceram este mês. Dados da Judiciária enviados ao JN mostram que o número de detenções pelo crime de pornografia de menores subiu, consecutivamente, entre 2016 e 2018. Entre os detidos há muitos homens, mas também cinco mulheres.
Aliciadas desde os 7 anos
O mesmo crescimento regista-se no número de prisões preventivas decretadas pelos tribunais. "Há várias explicações para haver mais crimes de pornografia de menores. A Internet está mais disseminada e as crianças têm acesso a ela cada vez mais cedo", refere Tito de Morais. Este especialista em segurança no mundo virtual salienta, aliás, que "há estudos que mostram que crianças com sete anos já estão a ser alvo de aliciamento sexual".
Fonte da Judiciária avança outros motivos, sendo o principal a eficácia que um trabalho conjunto de autoridades judiciais de diferentes países trouxe à investigação. "A cooperação internacional é fundamental num tipo de criminalidade que, por ser concretizada online, não tem fronteiras", alega.
Ficheiros com imagens e vídeos apreendidos em Portugal já permitiram detenções na Bélgica, após encontros que envolvem polícias de toda a Europa e que são coordenados pela Europol e pela Interpol. O último teve lugar em maio e permitiu identificar e resgatar três vítimas na Europa, na Rússia e nos Estados Unidos da América. Existem programas informáticos que permitem retirar as pessoas de uma imagem para que permaneça apenas o cenário. Isso permite partilhar a imagem e identificar o local e, a partir daí, chegar ao criminoso.
Base de dados a nascer
Portugal começou a criar a sua própria base de dados - constituída com os ficheiros de índole sexual apreendidos em território nacional ou com vítimas portuguesas - no início do ano passado e esta está ainda "em fase de alimentação".
Desse modo, a PJ continua a recorrer à base de dados da Europol. "Não há um país que prevaleça, que tenha mais crimes relativamente a outros, quando falamos de pornografia de menores. As imagens e os vídeos são feitos num local, mas rapidamente são espalhados pela Internet", avisa um investigador.
Homens são a maioria dos detidos. Mas também há mulheres
São homens e têm entre 21 e 40 anos. É este o perfil da maioria dos detidos por pornografia de menores, nos últimos três anos. A estatística mostra, contudo, que a faixa etária entre 41 e 60 anos também preocupa e que as mulheres não ficam de fora deste crime. Quatro foram detidas entre 2016 e 2018. "Há quem filme os menores e partilhe as imagens e outros que apenas veem e partilham através da Darknet. Há ainda quem se dedique a traduzir os filmes para depois os distribuir pelo mundo virtual. O único ponto em comum é que todos privilegiam o anonimato", refere fonte da PJ.
Casos recentes
Partilhou ficheiros de vítima
Tinha 27 anos, mas nos perfis das redes sociais aparecia sempre com menos idade. Foi assim que conseguiu, em 2017, convencer uma rapariga, hoje com 14 anos, a enviar-lhe fotografias e vídeos em que surgia nua. Em seguida, usou esses ficheiros para, sob ameaça de os revelar, obrigar a menina a manter relações sexuais. No passado dia 14, foi detido pela PJ de Lisboa e, depois de interrogado pelo juiz de instrução criminal, colocado em prisão preventiva. Os inspetores ainda tentam identificar outras vítimas do predador.
Gravava abusos com o telemóvel
Um homem de 29 anos de Fradelos, Famalicão, foi condenado a 19 anos de prisão por 32 crimes de abuso sexual de criança, dois crimes de violação agravada, dois crimes de coação, um de pornografia de menores, dano e violação de domicílio. Ficou ainda proibido de exercer funções que envolvam contactos com menores durante 15 anos e de lhe ser confiada a guarda de menores. O tribunal considerou provado que abusou de cinco menores, dois deles irmãos, entre 2013 e 2018. Os crimes eram filmados com o telemóvel.
Pais descobrem foto de filha
Era serralheiro na Madeira e, através do Facebook, conseguiu enganar dezenas de raparigas menores de todo o país, ao longo de anos. As meninas eram convencidas a enviar fotos e vídeos pornográficos e o caso só foi descoberto quando, em 2017, os pais de uma rapariga de 11 anos, de Águeda, Aveiro, descobriram a imagem da filha nua. A investigação da PJ permitiu que o serralheiro fosse detido no início do mês e que centenas de ficheiros, que eram publicados na Internet, fossem apreendidos. O pedófilo está em liberdade.
Homem que era mulher
Era homem, tinha 45 anos e residia em Lisboa. Mas nas redes sociais apresentava-se sempre como mulher, disfarce que lhe permitiu convencer vários rapazes a enviar-lhe vídeos de atos sexuais. Através das redes sociais também mantinha conversas de teor sexual com os menores, apenas e só com o objetivo de obter prazer. Foi detido no início do mês pelos crimes de abuso sexual de crianças, pornografia de menores e aliciamento de menores para fins sexuais. Vai aguardar a conclusão da acusação e o fim do julgamento em prisão preventiva.