Nos primeiros nove meses deste ano, a Polícia Judiciária (PJ) sinalizou quase 2500 vítimas de crimes sexuais. Mais de 74% são menores. Todos os dias, há nove rapazes, mas sobretudo meninas, sujeitos a abuso sexual ou pornografia e homens, mas principalmente mulheres, violadas e alvo de coação e importunação sexual.
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Apesar da dimensão dos números, 2023 está a confirmar uma tendência de decréscimo da criminalidade sexual após o pico registado em 2020.
No dia 11 de setembro, um homem, de 44 anos, foi detido pela PJ do Porto. Era suspeito dos crimes de abuso sexual, coação e fotografia ilícita cometidos contra alunas menores de uma escola de Oliveira de Azeméis, entre as quais a enteada. Acreditavam os inspetores, na sequência da investigação levada a cabo desde o início do ano, que o padrasto fazia questão de, todos os dias, levar a enteada ao estabelecimento de ensino para forçar uma amiga da rapariga “a um relacionamento amoroso e sexual”.
“Demonstrava tendência a perseguir e tentar abusar de outras menores, alunas do referido estabelecimento de ensino”, revelou a PJ, à data da detenção. Esta aluna de Oliveira de Azeméis é uma das 1842 vítimas de crimes sexuais, com menos de 18 anos, que a PJ sinalizou de janeiro a setembro deste ano. A maioria raparigas, entre os 8 e os 17 anos.
O número de menores sujeitos a crimes sexuais representa, aliás, mais de 74% do total de vítimas identificadas neste tipo de criminalidade, nos primeiros nove meses deste ano.
Dados anunciados na conferência “Desvendar a Criminalidade Sexual”, que decorre entre esta quinta e sexta-feira, na sede da PJ, mostram que, neste período, foram, entre menores e adultos, contabilizadas 2479 vítimas nos inquéritos relacionados com a criminalidade sexual. Ou seja, que os crimes sexuais fizeram, em média, nove vítimas de a cada dia.
Este número, embora de proporção preocupante, está em linha com a tendência de descida verificada nos últimos anos, após o pico de 4473 vítimas assinalado em 2020.
Crianças são as principais vítimas
Na última década, a PJ investigou quase 32 mil crimes sexuais. E, entre todos os crimes, o abuso sexual de crianças destaca-se pela quantidade. Só em 2022, foram investigados mais de 1200 crimes deste género, valor que se mantém estável há dez anos.
O crime de violação foi o segundo mais participado às autoridades, mas logo a seguir surge outro crime a envolver crianças: pornografia de menores. A PJ ainda teve em mãos diversos inquéritos relacionados com atos sexuais com adolescentes, aliciamento de menores para fins sexuais, lenocínio de menores e recurso à prostituição de menores.
Um destes casos terminou, no final do mês passado, com a condenação de um homem, residente na Vidigueira, a sete anos de prisão, por abuso sexual da filha. Os juízes deram como provado que o pai despia a menina, de oito anos, e praticava vários atos sexuais com ela, incluindo penetração. Em tribunal, a menor admitiu, por exemplo, ter sido obrigada a ver filmes pornográficos. “Guarda segredo, não digas a ninguém, senão levas porrada”, ameaçou o progenitor após cometer o crime.
Quase todos os predadores são homens
Cerca de 96% dos arguidos por abuso sexual de crianças são homens e 98% dos suspeitos de violação também são do sexo masculino. A constatação resulta da análise ao perfil dos mais de 4300 agressores investigados pela PJ, nos últimos dez anos.
Neste período, a Judiciária constituiu mais de três mil arguidos por abuso sexual de crianças e mais de 1200 por violação. Só no ano passado, 248 pessoas foram investigadas no âmbito do primeiro crime e outras 179 por violação.
Tal como acontece com os restantes crimes sexuais, o número de arguidos pela suspeita da prática deste tipo de atos tem sido, mesmo com algumas oscilações, constante ao logo da última década.
“A criminalidade sexual é maioritariamente contra menores”
O diretor nacional adjunto da PJ, Carlos Farinha, confirma que, em Portugal, os menores são as principais vítimas da criminalidade sexual e explica que o pico de casos verificado em 2020 justificou-se pelo aumento do consumo de pornografia de menores, em tempos de confinamento imposto pela pandemia da covid-19. Alerta ainda para o facto de, apesar do combate ao crime ser cada vez mais precoce e empenhado, muitas situações violentas continuarem ocultas.
“Há um pico [de crimes sexuais] em 2020 suportado pela pornografia de menores. Era tempo de pandemia e houve uma maior interação online”, recorda Carlos Farinha. E, de facto, a estatística mostra que, nesse ano, foram registados 2112 casos de pornografia de menores quando no ano anterior, por exemplo, tinham sido 888 e, em 2018, não chegaram aos 500. Em 2021, as investigações relacionadas com pornografia de menores desceram parra 822 e, no ano passado, ficaram perto das 500.
Apesar deste pico, há uma certeza: “a criminalidade sexual investigada pela PJ é maioritariamente contra menores”. “Mesmo o crime de violação envolve, muitas vezes, menores” acrescenta Carlos Farinha.
Analisando a última década, o diretor nacional adjunto da PJ salienta que Portugal tem-se mantido estável no que diz respeito ao número de crimes sexuais, mesmo num contexto em que “há uma precoce sinalização dos casos”. “Hoje, as pessoas já não se conformam com estes problemas e denunciam”, justifica.
A esta mudança de mentalidade na população portuguesa junta-se um “combate cada vez mais empenhado” por parte da PJ, no entanto muitas vítimas continuam a sofrer às mãos de predadores. “Não temos dúvidas que continuam a haver cifras negras neste crime”, afirma.