Duas acusações do Ministério Público espanhol envolvem portugueses no esquema de produção de lanchas rápidas para galegos.
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Lanchas de alta velocidade produzidas em armazéns do Minho, pertencentes a empresas portuguesas, são o objeto central de duas acusações da Audiência Provincial de Pontevedra, em Espanha, que imputam a 33 espanhóis crimes como contrabando de embarcações proibidas, associação criminosa e tráfico de droga. Apesar de haver vários envolvidos nos dois planos para fabricar e fornecer lanchas “voadoras” a traficantes de haxixe e cocaína, nenhum português está entre os acusados em Espanha, nem tão-pouco responde por nenhum crime em Portugal, onde a lei é bem mais branda relativamente a este tipo de barcos.
E continuará a sê-lo, porque, com a dissolução do Parlamento, caiu por terra o diploma aprovado em Conselho de Ministros que, tal como já acontece do outro lado da fronteira, criminalizaria o fabrico e posse das lanchas.
Em julho do ano passado, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, deslocou-se a Espanha para se reunir com o ministro do Interior espanhol, Fernando Grande-Marlaska. Em cima da mesa esteve a criminalização das narcolanchas, que é uma realidade em Espanha desde 2018, mas que continua por concretizar em território nacional.
Convencido de que a alteração legislativa era peça fundamental no combate ao tráfico de droga internacional, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, um novo regime jurídico aplicável às embarcações de alta velocidade. O jornal “Expresso”, que teve acesso à proposta de lei, revelou que o diploma previa uma pena até quatro anos de prisão para os donos e fabricantes de lanchas consideradas ilegais. E estipulava uma punição até dois anos de prisão para quem comandasse uma destas lanchas sem ter carta de condução. Já as multas podiam chegar aos 25 mil euros para pessoas singulares e cem mil euros para pessoas coletivas.
Processo reiniciado
A proposta de lei foi enviada ao Parlamento em fevereiro deste ano, mas, no mês seguinte, a Assembleia da República foi dissolvida sem que o diploma fosse submetido votação. O processo legislativo que ia endurecer as penas sobre as narcolanchas caiu por terra e terá de ser reiniciado na próxima legislatura. Isto, se for essa a vontade do próximo Governo.
No meio desta indefinição, os cartéis galegos continuam a aproveitar a lacuna na lei. Ao JN, o secretário-geral da Fundação Galega Contra o Narcotáfico, Fernando Alonso, já tinha referido que as lanchas rápidas são o principal elo entre os narcotraficantes da Galiza e do Norte de Portugal. “As lanchas usadas pelos traficantes galegos passaram a ser produzidas em armazéns clandestinos, mas também em empresas legais de Monção, Vila Nova de Cerveira e até de Barcelos”, assegurava o investigador espanhol.
Fernando Alonso acrescentava que muitas destas embarcações são construídas por portugueses e empresas nacionais a pedido dos galegos, mas que também há casos de sociedades comerciais galaico-portuguesas. As acusações do Ministério Público espanhol concluídas em junho e dezembro do ano passado dão-lhe razão.
A Guarda Civil identificou vários portugueses com ligações aos grupos dedicados à construção de narcolanchas, mas nenhum deles consta da lista de 23 arguidos referenciados nos dois processos. Também as empresas portuguesas usadas para o fabrico de embarcações postas ao serviço de cartéis não foram arroladas porque, concentrando a sua atividade ao Minho, não cometeram qualquer crime aos olhos da lei portuguesa e não podem ser acusadas por Espanha.
Falta de licença punida com multa
A lei espanhola proíbe, desde 2018, a construção e posse de embarcações insufláveis e semirrígidas que, com menos de oito metros de comprimento, tenham motores com mais de 204 cavalos. Já em Portugal a construção e posse de lanchas rápidas semelhantes às usadas pelos cartéis são legais, desde que devidamente licenciadas. E mesmo quando isso não acontece, a penalização é apenas uma coima, cujo valor varia entre 500 e 2500 euros.
RASI constata e alerta
5,8 toneladas de droga
No ano passado e segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), foram apreendidas 5,8 toneladas de droga a ser transportadas em 14 lanchas “voadoras” só pela Marinha
Espanhóis
O RASI de 2024 constata que “continuou a vir à luz do dia um número muito significativo de casos em que organizações criminosas, por regra radicadas em Espanha, utilizaram distintos locais em território nacional para a construção, armazenamento e colocação em água de embarcações de alta velocidade utilizadas no transporte de estupefacientes”.
Recolha de cocaína
As forças de segurança alertam para “a utilização, cada vez mais frequente, deste tipo de embarcações para a recolha, em alto-mar, de cocaína de diversos tipos de embarcações (incluindo semissubmersíveis) procedentes da América Latina”.