Acusados de aproveitarem demência de nonagenária para fazer empréstimos, ficar com imóveis e esvaziar contas.
Corpo do artigo
Em pouco mais de três anos, uma cuidadora e a sua filha, com a ajuda do genro e de uma advogada, conseguiram apropriar-se de 737 mil euros e três imóveis de uma idosa com demência. Aproveitaram-se das fragilidades da mulher, hoje com 90 anos, e induziram-na a dar poderes de movimentação de todo o seu património.
Fizeram transferências e levantamentos, compras em benefício próprio e até abriram um bar de cocktails no centro do Porto e compraram uma moradia em Gaia com o dinheiro alheio. Após investigação da Polícia Judiciária de Lisboa, as mulheres foram acusadas de burla qualificada e o homem de recetação.
Em março de 2018, Ana Isabel, 53 anos, foi contratada através de uma empresa para tomar conta de uma idosa, então com 85 anos, na zona de Lisboa. Maria Rosette havia sido vítima de uma operação e já apresentava sinais de demência moderada. A cuidadora rapidamente se apercebeu das suas fragilidades e também do seu avultado património. Segundo o Ministério Público (MP), Ana Isabel contou à filha Sara, de 28 anos. As duas, com a ajuda de uma advogada de 62 anos, montaram um plano para afastar a idosa das duas filhas e ficarem com os seus bens.
Em menos de um ano, Ana Isabel já estava a morar com a idosa. Convenceu-a a constituir uma empresa e a assinar uma procuração que lhe dava plenos poderes de representação. Com este documento, Ana e Sara abriram contas bancárias em nome da firma, que tinha o nome da idosa, para não levantar suspeitas. Mas deram os seus contactos para que os bancos nunca abordassem a titular.
Ao longo de vários meses foram movimentando dezenas de milhares de euros das contas pessoais de Maria Rosette para as da empresa e depois para as suas. Usaram estas quantias em proveito próprio através de transferências, levantamentos ou pagando compras e despesas pessoais.
empréstimo de 400 mil
A ganância era tanta, que resgataram várias aplicações financeiras da idosa e até uma apólice de seguro de vida/PPR. Pior: quando a conta chegou a zero, em outubro de 2020, ainda contraíram empréstimos no montante de 400 mil euros em nome de Maria Rosette. No total, contabiliza o MP, entre outubro de 2018 e dezembro de 2021, Ana, Sara e a advogada conseguiram apropriar-se de três imóveis em Seia e gastar em seu benefício, pelo menos, 737 mil euros da idosa.
Em janeiro de 2022, uma avaliação pericial psiquiátrica concluiu que Maria Rosette é portadora de alzheimer, o que a "incapacita socialmente em relação à administração da sua pessoa e bens" e que se "encontra incapacitada para decidir ou responsabilizar-se por decisões que lhe confiram o adequado bem-estar em quer em relação a si própria, quer em relação aos outros".
Após investigação da Judiciária de Lisboa, o MP acusou a cuidadora, a filha e a advogada de um crime de burla qualificada. O genro da cuidadora foi acusado de um crime de recetação, por ter recebido e utilizado em proveito próprio quantias que sabia terem sido retiradas a Maria Rosette de modo ilícito.
BENEFÍCIOS
Casal comprou moradia e alugou bar no Porto
As arguidas usaram a sociedade-fantasma criada em nome de Maria Rosette por Ana Isabel para alugar um bar no Campo de Mártires da Pátria (jardim da Cordoaria), no centro do Porto, que a filha da cuidadora, Sara, passou a explorar com o marido, Cristiano. O bar, especializado em cocktails, era inspirado pelos "loucos anos 20" do século passado. As quantias monetárias retiradas às contas de Maria Rosette também serviram para o casal Sara e Cristiano dar o sinal e adquirir uma moradia em Grijó, Vila Nova de Gaia, no valor de 290 mil euros. Ana Isabel e Sara ainda compraram um automóvel Ford Focus no valor de 26 mil euros e fizeram o seguro da viatura em nome da empresa.