Advogados de associações de defesa animal e do PAN consideraram no Tribunal de Matosinhos que há provas mais que suficientes para responsabilizar os arguidos pelas quase cem mortes de animais em canis ilegais ocorridas em julho de 2020. Já o Ministério Público continua a defender o arquivamento do processo.
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Os advogados das associações de defesa animal Midas, Animal, IRA e do partido PAN consideraram, esta tarde de sexta-feira, que o veterinário municipal, a coordenadora da Proteção Civil e as proprietárias de dois abrigos de Santo Tirso, onde morreram 93 animais após um incêndio na Serra da Agrela, devem ir a julgamento para que não vença "a lei da impunidade e dos arquivamentos".
Já para o Ministério Público (MP), "os assistentes não conseguiram demonstrar indícios suficientes para que fosse mais provável uma condenação" pelo que os argumentos que levaram ao arquivamento se mantêm.
Antes, o presidente do IRA - Intervenção e Resgate Animal testemnhou que, na noite após os incêndios, a GNR os impediu de resgatar e prestar auxílio aos animais. Viu cães queimados, em sofrimentos, a ganir e a tossir. "Havia necessidade de prestar auxílio imediato", disse Armando Pires Tomás. Mas foram forçados a ir embora.
A advogada da Associação Animal lembrou que um dos canis teve ordem de encerramento em 2012, mas que tal ordem nunca foi cumprida. Alexandra Reis Moreira criticou o veterinário municipal Jorge Salústio que, na sexta-feira, dia 17, foi alertado para o perigo de incêndio e "não quis saber". No sábado, dia 18, um militar da GNR avisou-o de que avistara cães mortos e cães queimados e "não quis saber, nunca se dignou a ir lá", criticou a advogada.
Só no domingo, dia 19, pelas 15 horas é que os cerca de 190 animais que se encontravam nos canis foram resgatados e assistidos por populares. "Neste país a culpa vai morrendo solteira. Aqui a responsabilidade tem rosto. A culpa não pode morrer solteira", exigiu Alexandra Reis Moreira.
"Deliberadamente optaram pelo abandono dos animais"
Para o advogado do PAN existe prova documental, pericial e testemunhal que indicia "mais do que suficientemente" o crime de maus tratos de animais de companhia.
"Tinham um dever especial de cuidado e deliberadamente optaram pelo abandono dos animais. Não retiraram, não libertaram e até impediram que o fizessem", criticou Pedro Perdigão.
"Disseram que estava tudo bem. Estava tudo mal. Estava mesmo tudo mal", apontou o advogado, pedindo ao juiz que "não pactue com a responsabilidade de quem devia agira, devia cuidar, deviar proteger e não agiu, não cuidou e não protegeu".
O debate instrutório prossegue no próximo dia 18 de outubro com as intervenções dos advogados dos arguidos.
Polémica, revolta e solidariedade
A 18 de julho de 2020, na Serra da Agrela, Santo Tirso, um incêndio matou 93 cães e gatos em dois abrigos ilegais, o "Cantinho das Quatro Patas" e o "Abrigo de Paredes", gerando polémica, revolta e solidariedade.
Os abrigos ilegais foram atingidos por um incêndio que começara na véspera, no concelho vizinho de Valongo, e que levou ao local centenas de pessoas, muitas que anteriormente haviam denunciado a falta de condições em que estavam alojadas centenas de cães e gatos, acabando uma parte dos animais resgatada com vida por muitos desses populares.
À data, o município de Santo Tirso argumentou que, no "dia do incêndio, em resultado da invasão dos canis por parte dos populares, foi impossível terminar o trabalho de identificação dos animais, que estava a ser desenvolvido pela autarquia, em colaboração com a GNR e algumas associações".
A autarquia foi acusada por populares de "nunca antes ter resolvido o problema, apesar das sucessivas denúncias de falta de condições", enquanto a GNR foi alvo das críticas populares por, alegadamente, ter impedido a entrada no local de pessoas e ativistas que pretendiam salvar os animais.
A GNR afirmou, por seu lado, que a morte de animais no incêndio não se deveu ao facto de ter impedido o acesso ao local de populares, mas à dimensão do fogo e à quantidade de animais.
Os 190 animais recolhidos com vida nos dois canis atingidos pelo incêndio na freguesia de Agrela, Santo Tirso, foram acolhidos em canis municipais, associações e por particulares.
Os dois abrigos ilegais já tinham sido alvo de "contraordenações e vistorias" de "várias entidades fiscalizadoras", adiantou, na ocasião, o Ministério da Agricultura. "Os dois abrigos não têm qualquer registo na DGAV [Direção Geral de Alimentação e Veterinária], conforme dispõe o decreto-lei 276/2001", referia a tutela.
Arquivamento e recurso
No final de 2022, Ministério Público (MP) determinou o arquivamento do processo, mas o PAN-Pessoas-Animais-Natureza e a Associação Zoófila Midas, com sede em Matosinhos, requereram a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento.
Pedro Ribeiro de Castro, advogado da Midas, adiantou que iria pedir a pronúncia do então médico veterinário da Câmara de Santo Tirso, Jorge Salustio, das proprietárias do "Abrigo de 4 Patas", Maria Alexandra e Ermelinda, da à data coordenadora municipal da Proteção Civil, Célia Fonte, e de Maria dos Santos, ligada ao "Abrigo de Paredes".